English French German Spain Italian Dutch Russian Portuguese Japanese Korean Arabic Chinese Simplified
Quiero esto en mi Blog!

sexta-feira, 23 de abril de 2010

SUPORTANDO A PERSEGUIÇÃO
POR
João Calvino
"Saiamos, pois, a ele [Jesus] fora do arraial, levando seu vitupério." (Hb 13.13)

TODAS as exortações que nos são dadas para padecer-, mos pacientemente pelo nome de Jesus Cristo e em defesa do Evangelho não terão efeito, se não nos sentirmos seguros da causa pela qual lutamos. Quando somos chamados a nos desfazer da vida, é absolutamente necessário saber em que base. Não podemos possuir a firmeza necessária, a menos que esteja fundamentada na certeza da fé.
É verdade que há pessoas que se expõem tolamente à morte, na defesa de algumas opiniões absurdas e devaneios concebidos pelo próprio cérebro, mas tal impetuosidade deve ser considerada mais como frenesi do que zelo cristão; e, de fato, não há firmeza nem bom senso naqueles que, em certo tipo de casualidade, se empolgam dessa maneira. Mas embora isso ocorra, é somente numa boa causa que Deus nos reconhece como seus mártires. A morte é comum a todos, e os filhos de Deus são condenados à ignomínia c torturas exatamente como os criminosos o são; mas Deus faz a distinção entre eles, já que Ele não pode negar sua verdade. De nossa parte, exige-se que tenhamos provas firmes e infalíveis da doutrina que defendemos; e, por conseguinte, como eu disse, não podemos ser racionalmente impressionados pela exortação-que recebemos para sofrer perseguição pelo Evangelho, se nenhuma certeza verdadeira de fé foi impressa em nosso coração. Arriscar a vida numa incerteza não é natural, e ainda que o fizéssemos, seria só precipitação e não coragem cristã. Numa palavra, nada que fazemos será aprovado por Deus, se não estivermos completamente persuadidos de que é para Ele e sua causa que sofremos
perseguição e o mundo é nosso inimigo.
Quando falo de tal persuasão, não quero dizer meramente que temos de saber distinguir entre a verdadeira religião e os abusos ou loucuras dos homens, mas também que devemos estar inteiramente persuadidos da vida divina e da coroa, que nos é prometida nos céus, depois que tivermos lutado aqui na terra. Entendamos que estes requisitos são necessários e não podem ser separados um do outro.
For conseguinte, os pontos com os quais devemos começar são estes: Temos de saber bem qual é o nosso cristianismo, qual é a fé que temos de defender e seguir — qual é a regra que Deus nos deu; e, assim, temos de estar bem inteirados de tal instrução para que sejamos capazes de condenar com ousadia todas as falsidades, erros e superstições que Satanás introduziu para corromper a pura simplicidade da doutrina de Deus.
Veremos agora o verdadeiro método de nos preparar para sofrer pelo Evangelho. Primeiramente, devemos estar nos beneficiando até aqui na escola de Deus quanto a estarmos decididos com relação à verdadeira religião e à doutrina que vamos defender. Temos de menosprezar todos os artifícios e imposturas de Satanás e todas as invenções humanas como coisas frívolas e carnais, já que corrompem a pureza cristã; nesse particular diferindo, como verdadeiros mártires de Cristo, das pessoas irracionais que sofrem por meras absurdidades. Em segundo lugar, assegurando-nos da boa causa, conseqüentemente, temos de ser
inflamados para seguir a Deus aonde quer formos por Ele chamados. Sua Palavra tem de ter tal autoridade para conosco como ela merece, e, havendo-nos retirado deste mundo, temos de nos sentir arrebatados na busca da vida santificada. Porém, é mais que estranho que, embora a luz de Deus esteja brilhando mais radiantemente que nunca, haja uma lamentável' falta de zelo. Em resumo, é impossível negar que é para nossa grande vergonha, para não dizer temível condenação, que conhecemos tão bem a verdade de Deus e temos tão pouca coragem em defendê-la.
Acima de tudo, quando olhamos para os mártires do passado, nos envergonhamos de nossa covardia! Em sua maioria não eram pessoas muito versadas nas Santas Escrituras para poderem disputar cm todos os assuntos. Eles sabiam que havia um Deus, a quem convinham adorar e servir; que haviam sido remidos pelo sangue de Jesus Cristo a fim de colocarem a confiança de salvação nEle e em sua graça; e que todas as invenções dos homens, sendo mera inutilidade e lixo. eles deviam condenar todas as idolatrias e superstições. Numa palavra, sua teologia era, em substância, esta: Há um Deus que criou todo o mundo e nos declarou sua vontade por Moisés e pelos profetas, e, finalmente, por Jesus Cristo e seus apóstolos; e temos um Redentor exclusivo, que nos comprou por seu sangue e por cuja graça esperamos ser salvos. Todos os ídolos do mundo
são amaldiçoados e merecem abominação. Com um sistema abarcando nenhum outro ponto que não esses, eles foram corajosamente às chamas ou a qualquer outro tipo de morte. Não entravam de dois em dois ou de três em três, mas em tamanhos grupos, cujo número dos que caíram pelas mãos dos tiranos é quase infinito.
O que então deve ser feito para inspirar nosso peito com a verdadeira coragem? Temos, em primeiro lugar, de considerar quão preciosa é a confissão de nossa fé aos olhos de Deus. Pouco sabemos o quanto Deus preza isso, se nossa vida, que não é nada, é estimada mais altamente por nós. Quando isso se dá, manifestamos maravilhoso grau de estupidez. Não podemos salvar nossa vida às custas de nossa confissão sem reconhecermos que a mantemos em mais alta estima que a honra de Deus e a salvação de nossa alma. Um pagão poderia dizer: "Foi coisa miserável salvar a vida deixando as únicas coisas que tornavam a vida desejável!" E, não obstante, tal indivíduo e outros como ele nunca souberam por que propósito os homens são colocados no mundo, e por que vivem aqui. Sabemos muito bem qual deve ser a principal meta de vida, isto é, glorificar a Deus, para que Ele seja nossa glória. Quando isso não é feito, ai de nós! Não podemos continuar vivendo por um único momento na terra sem amontoarmos outras maldições sobre nossas cabeças. Contudo, não estamos envergonhados de
obter alguns dias para nos enlanguescer aqui embaixo, renunciando o Reino eterno ao nos separarmos dEle, por cuja energia somos sustentados em vida. Mas como a perseguição sempre é severa e amarga, consideremos: Como e por quais meios os cristãos podem se fortalecer com paciência, para resolutamente exporem a vida pela verdade de Deus. O texto que lemos em voz alta, quando corretamente compreendido, é suficiente para nos induzir a agirmos assim. O apóstolo diz: ''Saiamos da cidade para o Senhor Jesus, levando seu vitupério". Em primeiro lugar, Ele nos lembra que, embora as espadas não sejam desembainhadas contra nós, nem o fogo aceso para nos queimar, não podemos ser verdadeiramente unidos ao Filho de Deus, enquanto estamos arraigados neste mundo. Portanto, um cristão, mesmo em repouso, sempre tem de ter um pé pronto a marchar para a batalha, e não só isso, mas tem de ter seus afetos retirados do mundo, ainda que o corpo esteja habitando aqui.
Enquanto isso, para consolar nossas enfermidades e mitigar a vexação e tristeza que a perseguição nos causa, é-nos oferecida uma boa recompensa. Sofrendo pela causa de Deus, estamos caminhando passo a passo após o Filho de Deus e o temos por nosso Guia. Fosse dito simplesmente que para sermos cristãos tivéssemos de corajosamente passar por todos os insultos do mundo, encontrar a morte em todo momento e da maneira que Deus se agradasse designar, teríamos aparentemente algum pretexto para replicar. É um caminho desconhecido para irmos na dúvida. Mas quando somos ordenados a seguir o Senhor Jesus, sua direção é muito boa e honrada para ser recusada. Somos tão melindrosos quanto à disposição de suportar qualquer coisa? Então temos de renunciar a graça de Deus pela qual Ele nos chamou à esperança de salvação. Há duas coisas que não podem ser separadas — ser membro de Cristo e ser provado por muitas aflições.
Quem dera fosse realmente fácil, mesmo para Deus, nos coroar imediatamente sem exigir que sustentássemos qualquer combate. Mas assim como é seu prazer que Cristo reine em meio aos seus inimigos, assim também é sua vontade que nós, sendo colocados no meio deles, soframos a opressão e violência que nos infligem até que "Ele nos liberte. Sei, de fato, que a carne esperneia quando deve ser levada a este ponto, mas não obstante a vontade de Deus tem de sobrepor-se. Em tempos passados, muitas pessoas, para obter simples coroas de folhas, não recusavam o trabalho duro, a dor e a dificuldade. Até mesmo a morte não lhes era grande preço, e, ainda assim, cada um deles disputava uma corrida, não sabendo se iria ganhar ou perder o prêmio. Deus nos oferece a coroa imortal pela qual nos tornarmos participantes da sua glória. Ele não quer dizer que devemos lutar a esmo, mas todos temos a promessa do prêmio pelo qual nos empenhamos. Temos algum motivo para nos recusarmos a lutar? Achamos que foi dito em vão: "Se morremos com Jesus, também com ele viveremos"? Nosso triunfo está preparado, e contudo fazemos tudo o que podemos para evitar o combate. para não deixar meios sem serem empregados que sejam adequados para nos estimular, Deus coloca diante de nós Promessas, de um lado, e Ameaças, do outro. Sentindo que as promessas não têm influência
suficiente, fortaleçamo-nos acrescentando as ameaças. É verdade que devemos ser obstinados no extremo de não pôr mais fé nas promessas de Deus, quando o Senhor Jesus diz que Ele nos confessará como seus diante de seu Pai, contanto que o confessemos diante dos homens. Mas se Deus não pode nos alcançar por meios gentis, não devemos ser meros obstáculos se suas ameaças também falham? Jesus convoca todos aqueles que, por medo da morte temporal, negam a verdade, a comparecerem no tribunal de seu Pai, e diz que então o corpo e a alma
serão entregues à perdição. Em outra passagem, Ele afirma que negará todos o que o tiverem negado diante dos homens. Estas palavras, se não somos completamente impérvios para sentir, bem que podem fazer nossos cabelos se levantarem enfim!
É em vão alegarmos que piedade deve nos ser mostrada, já que nossas naturezas são tão delicadas; pois é dito, pelo contrário, que Moisés, tendo buscado a Deus pela fé, foi fortalecido para não se entregar sob tentação. Portanto, quando somos flexíveis e fáceis de dobrar, é sinal manifesto. Não estou dizendo que não temos zelo, nem firmeza, mas que não sabemos nada de Deus ou de seu Reino.
Há dois pontos a considerar. O primeiro é que todo o Corpo da Igreja em geral sempre esteve, e até ao fim estará, sujeito a ser afligido pelos ímpios. Vendo como a Igreja de Deus é pisoteada nos dias atuais pelos orgulhosos indivíduos mundanos, como um late e outro morde, como torturam, como conspiram contra ela. como ela é assaltada incessantemente por cães raivosos e bestas selvagens, não nos esqueçamos de que a mesma coisa foi feita em todos os tempos passados. Enquanto isso, o assunto de suas aflições sempre foi afortunado. Em todos os eventos, Deus fez com que, embora fosse oprimida por muitas calamidades, ela nunca tenha sido completamente esmagada; como está escrito: "Os ímpios com todos os seus esforços não tiveram sucesso no que intentaram". O apóstolo Paulo se gloria no fato e mostra que este é o curso que Deus, em misericórdia, sempre toma. Ele diz: "Em tudo somos atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desanimados; perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos; trazendo sempre por toda parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também em nossos corpos" (2
Co 4.8-10).
Só menciono brevemente neste sermão para ir ao segundo ponto, que está mais a nosso propósito, que devemos tirar vantagem dos exemplos particulares dos mártires que foram antes de nós. Não são limitados a dois ou três, mas são, como diz o apóstolo, "uma tão grande nuvem". Com esta expressão, ele intima que o número é tão grande que deve ocupar toda nossa visão. Para não ser tedioso, mencionarei somente os judeus, que foram perseguidos pela verdadeira religião, não apenas sob a tirania do rei Antioco, mas também um pouco depois da sua morte. Não podemos alegar que o número dos sofredores foi pequeno, pois formava um grande exército de mártires. Não podemos dizer que consistia em profetas a quem Deus tinha separado das pessoas comuns, pois mulheres e criancinhas faziam parte do grupo. Não podemos dizer que eles escaparam por pouca coisa,m porque foram torturados tão cruelmente quanto possível. Por conseguinte, ouvimos o que o apóstolo diz: "Uns foram torturados, não aceitando o seu livramento, para alcançarem uma melhor ressurreição; e outros experimentaram escárnios e açoites, e até cadeias e prisões. Foram apedrejados, serrados, tentados, mortos a fio de espada; andaram vestidos de peles de ovelhas e de cabras, desamparados, aflitos e maltratados (homens dos quais o mundo não era digno), errantes pelos desertos, e montes, e pelas covas e cavernas da terra (Hb 11.35-38).
Comparemos agora o caso deles com o nosso. Se eles suportaram tais coisas pela verdade, que naquela época era tão obscura, o que devemos fazer com a luz que agora brilha? Deus nos fala claramente; a grande porta do Reino dos céus foi aberta, c Jesus Cristo nos chama para si mesmo, depois de ter descido até nós para que pudéssemos tê-lo presente diante dos olhos. Que repreensão nos seria suficiente para termos menos zelo para sofrer pelo Evangelho do que eles, que só tinham saudado as promessas de longe, que só tinham um pequeno postigo aberto para entrar no Reino de Deus e que só tinham um memorial e símbolo de Jesus Cristo? Estas coisas não podem ser expressas em palavras como merecem, e, então, deixo cada um a ponderar sobre elas consigo mesmo.
Em primeiro lugar, onde quer que esteja, o cristão tem de resolver, apesar dos perigos ou ameaças, andar em simplicidade como Deus ordenou. Que ele se guarde tanto quanto possa contra a voracidade dos lobos, mas que não seja com astúcia carnal. Acima de tudo, que ele coloque a vida nas mãos de Deus. Ele fez assim? Então, se acaso vier a cair nas mãos do inimigo, que ele saiba que Deus, tendo arranjado as coisas deste modo, se agrada de tê-lo como testemunha de seu Filho. Portanto, ele não tem meios de recuar sem quebrar a fé em Deus, a quem prometemos todo o dever na vida e na morte; Ele de quem somos e a quem pertencemos, ainda que não tenhamos feito nenhuma promessa. Que seja mantido como ponto fixo entre todos os cristãos, que eles não devem considerar a vida mais preciosa do que o testemunho da verdade, já que Deus deseja ser glorificado assim. É em vão que Ele dá o nome de testemunhas (pois este é o significado da palavra mártir) a todos os que têm de responder perante os inimigos da fé? Aqui cada um não deve olhar para seu companheiro, pois Deus não honra a todos igualmente com a chamada. E como somos inclinados a olhar, devemos estar muito mais em guarda contra isso. Pedro, tendo ouvido dos lábios de Jesus que na velhice seria levado para onde não quereria ir. perguntou o que aconteceria com seu companheiro João. Não há nenhum de nós que não teria
prontamente feito a mesma pergunta, pois o pensamento que imediatamente nos vem é: Por que sofro em lugar dos outros? Pelo contrário. Jesus Cristo nos exorta — não só a todos em geral, mas a cada um em particular — a nos mantermos "'prontos", a fim de que conforme
Ele for chamando este ou aquele, marchemos avante por nossa vez. Expliquei acima quão pouco preparados estaremos para sofrer martírio, se não estivermos armados com as promessas divinas. Agora resta mostrar um pouco mais completamente quais são o propósito e o alvo destas promessas — não para especificar todos em detalhes, mas para mostrar o que Deus deseja que esperemos dEle a fim de que nos consolemos em nossas aflições. Considerando-se sumariamente, podemos citar três coisas. A primeira, é que já que nossa vida e morte estão em suas mãos, Ele nos preservará por seu poder, de modo que nem um fio de cabelo será arrancado de nossa cabeça sem a sua permissão. Portanto, os crentes devem se sentir seguros em quaisquer mãos que venham a cair, pois Deus não está despojado da tutela que Ele exerce sobre seu povo. Estivesse tal persuasão bem impressa em nosso coração, ficaríamos livres da maior parte das dúvidas e perplexidades que nos atormentam e nos obstruem em nossos deveres.
Vemos tiranos livres; a esse respeito, parece-nos que Deus já não possui meio de nos salvar, e somos tentados a cuidar de nossos próprios interesses, como se nada mais se esperasse dEle. Pelo contrário, sua providência, à medida que Ele a revela, deve ser considerada por nós como fortaleza inconquistável. Trabalhemos, então, para nos conscientizarmos da plena importância da expressão que nosso corpo está em suas mãos, que o criaram. Por isso. às vezes Ele libertou seu povo de maneira milagrosa e além de toda expectativa humana, como se deu a Sadraque, Mesaque e Abede-Nego na fornalha ardente; a Daniel, na cova dos leões; a Pedro, na prisão de Herodes, onde estava preso, acorrentado e rigorosamente guardado. Por estes exemplos, Ele quis testificar que Ele mantém nossos inimigos sob controle, embora possa não parecer, e que. quando quer, tem o poder de nos tirar dos grilhões da morte. Não que Ele sempre o faça, mas reservando a autoridade para si de dispor de nós para a vida e para a morte, Ele quer que nos sintamos completamente seguros de que Ele nos tem sob seu cuidado. Qualquer tirano que nos tente e com qualquer fúria que se arroje contra nós. pertence a Ele somente ordenar
nossa vida.
Se Ele permite que tiranos nos matem, não é porque nossa vida não lhe é querida, é em maior honra cem vezes mais do que merece. Sendo esse o caso, tendo declarado pela boca de Davi que a morte dos santos é preciosa aos seus olhos, Ele também diz pela boca de Isaías que a terra descobrirá o sangue que parece estar oculto. Que os inimigos do Evangelho, então, sejam tão pródigos quanto serão do sangue dos mártires, pois terão de prestar contas dele ate a última gota. Nos dias atuais, eles se viciam em derrisão orgulhosa, enquanto entregam os crentes às chamas; e depois de terem se banhado no sangue deles, ficam tão intoxicados desse sangue que consideram todos os assassinatos que cometem como mero esporte festivo. Mas se temos paciência para esperar, por fim Deus mostrará que não é em vão que Ele estimou nossa vida em tão alto valor.
Nesse entretempo. não nos ofendamos por parecer confirmar o Evangelho, que em valor ultrapassa o céu e a terra. Para ficarmos mais seguros de que Deus não nos abandona nas mãos dos tiranos, lembremo-nos da declaração de Jesus Cristo, quando disse que Ele mesmo é perseguido nos seus membros. Deus de fato tinha dito antes por Zacarias: "Aquele que tocar em vós toca na menina do seu olho" (Zc 2.8). Mas aqui é dito com muito mais expressividade que. se sofrermos pelo Evangelho, é tanto quanto se o Filho de Deus estivesse sofrendo pessoalmente. Que saibamos que Jesus Cristo tem de se esquecer de si mesmo antes de deixar de pensar em nós, quando estamos em prisão ou em perigo de morte por sua causa. Que saibamos que Deus tomará no coração todas as afrontas que os tiranos cometem contra nós, da mesma maneira como se tivessem cometido contra o próprio Filho. Vamos agora ao segundo ponto que Deus nos declara em sua promessa para nossa consolação. É que Ele nos sustentará assim pelo poder do seu Espírito para que nossos inimigos, façam o que fizerem, mesmo com Satanás à cabeça, não obtenham vantagem sobre nós. E vemos como Ele mostra seus dons em tal emergência; pois a constância invencível que encontramos nos mártires mostra abundante e formosamente que Deus trabalha poderosamente neles. Na perseguição. Há duas coisas revoltantes para a carne: a vituperação c insulto dos homens e as torturas que o corpo sofre. Deus promete nos oferecer sua mão tão efetivamente, que superaremos ambas pela paciência. O que Ele nos diz. Ele confirma por fato. Tomemos este escudo para nos precaver de todos os medos pelos quais somos assaltados, e não restrinjamos a operação do Espírito Santo dentro de tais limites estreitos, como a supor que Ele não sobrepujará facilmente todas as crueldades dos homens. Disto tivemos, entre outros exemplos, um que é particularmente memorável. Um jovem que certa vez viveu aqui conosco, tendo sido preso na cidade de Tournay, seria condenado à guilhotina, desde que se retratasse, e se continuasse firme em seu propósito, seria queimado vivo! Quando perguntado o que pretendia fazer, simplesmente respondeu: "Aquele que me dará graça para morrer pacientemente por seu nome, sem dúvida me dará graça para suportar o fogo!"
Devemos tomar esta expressão, não como a de um homem mortal, mas como do Espírito Santo, para nos assegurarmos que Deus não é menos poderoso para nos fortalecer e nos tornar vitoriosos sobre as torturas, do que nos fazer submeter de boa vontade a uma morte mais suave. Além disso, vemos muitas vezes que firmeza Ele dá a malfeitores infelizes que sofrem por seus crimes. Não falo dos endurecidos, mas dos que obtêm consolação da graça de Jesus Cristo, e, por esse meio, com corações tranqüilos, sofrem os castigos mais cruéis que podem ser infligidos. Um belo exemplo é visto no ladrão que foi convertido à morte de nosso Senhor. Será que Deus, que assim ajuda poderosamente pobres
criminosos quando suportam o castigo de suas más ações, estará tão ausente do seu povo, enquanto lutam pela causa santa, quanto a não lhes dar coragem invencível?
O terceiro ponto a considerar acerca das promessas de Deus aos seus mártires é o fruto que eles devem esperar por seus sofrimentos, e no fim, se for necessário, por suas mortes. Este fruto se manifestará depois de terem glorificado o seu nome, depois de terem edificado a Igreja pela constância, quando serão reunidos com o Senhor Jesus na sua glória eterna. Mas como falamos acima brevemente, é bastante aqui apenas lembrar. Que os crentes aprendam a erguer a cabeça para as coroas de glória e imortalidade para as quais Deus os convida, a fim de que assim eles não se sintam relutantes em deixar a vida presente por tal recompensa. Para que se sintam bem seguros desta bênção inestimável, que sempre tenham diante dos olhos a conformidade que eles têm a nosso Senhor Jesus Cristo. E exatamente como Ele que, pela repreensão da cruz, chegou à ressurreição gloriosa, vejam que a morte consiste em toda a nossa felicidade, alegria e triunfo!

______________________________________________________
JOÃO CALVINO NASCEU EM NOYON, França, em 1509, e morreu em
Genebra, cm 1564. Depois de Martinho Lutero, Calvino é a maior figura na
história do protestantismo. Com vinte e sete anos, publicou suas célebres Institutos, profundo tratado teológico.
A maioria dos sermões de Calvino foi pregado na Igreja de São Pedro, em Genebra. Associamos Calvino com os grandes e difíceis temas dos decretos soberanos de Deus e a predestinação. Mas no sermão que se segue, "Suportando a Perseguição", vemo-lo como o pastor e pregador. O sermão é compreensível por todos, contudo mostra o funcionamento fluente deste intelecto maravilhoso. A perseguição pela causa de Cristo não era então um tema abstrato, pois aqueles a quem Calvino pregou estavam diariamente em perigo de vida.

FONTE: Grandes Sermões do Mundo, Ed. CPAD

sábado, 3 de abril de 2010

A CENTRALIDADE DA PREGAÇÃO

A Centralidade da Pregação da Palavra no Culto

por

Hermisten Maia Pereira da Costa






Introdução:

Dentro da visão Reformada, a Palavra de Deus ocupa o lugar central do Culto, visto que é através dela que Deus nos fala. [1] Deus se dignou em revelar a Si mesmo como Palavra e através da Palavra: “No princípio era o Verbo” (Jo 1.1). “No princípio, não era a música, nem o teatro. Deus identifica seu Filho, que é Deus, com a Palavra. Isso é tremendamente importante.” [2] “Um dos objetivos do sermão, sem dúvida, o mais elevado, deve ser a adoração de Deus e a exaltação do seu nome.” [3]

A pregação não deve ser rejeitada (1Ts 5.19-21); ela deve ser entendida como a Palavra de Deus para nós; recusá-la é o mesmo que rejeitar o Espírito (1Ts 4.8). [4] O mundo por sua vez, deseja ansiosamente ouvir, porém, não a Palavra de Deus (1Jo 4.5). Como há falsos pregadores e falsos mestres, é necessário “provar” o que está sendo proclamado para ver se o seu conteúdo se coaduna com a Palavra de Deus (At 17.11,12/1Jo 4.1-6). No entanto, neste período de grandes e graves transformações, torna-se evidente que os homens, de forma cada vez mais veemente, querem ouvir mais o reflexo de seus desejos e pensamentos, a homologação de suas práticas. Assim sendo, a palavra que deveria ser profética, tende com demasiada freqüência – mesmo assinando o seu obituário –, a se tornar apenas algo apetecível ao “público alvo”, aos seus valores e devaneios, ou, então, nós pregadores, somos tentados a usar de nossa “eloqüência” para compartilhar generalidades da semana, sempre, é claro, com uma alusão bíblica aqui ou ali, para justificar a nossa “pregação”; o fato é que uma geração incrédula, é sempre acintosamente crítica para com a palavra profética. [5]


1. Os Oráculos de Deus:

À Igreja foi confiada a Palavra de Deus, a qual ela deve preservar em seus ensinamentos e prática (Rm 3.2; 1Tm 3.15). Calvino entendia que “a verdade, porém, só é preservada no mundo através do ministério da Igreja. Daí, que peso de responsabilidade repousa sobre os pastores, a quem se tem confiado o encargo de um tesouro tão inestimável!”. [6] Portanto, “um bom pastor deve estar sempre alerta para que seu silêncio não propicie a invasão de doutrinas ímpias e danosas, e ainda propicie aos perversos uma irrefreada oportunidade de difundi-las.” [7] Daí, a fidelidade inarredável à Palavra que deve ter o ministro: “Quão arriscado é afastar-se, mesmo que seja um fio de cabelo da doutrina. (...) Em razão da fragilidade da carne, somos excessivamente inclinados a cair, e o resultado é que Satanás pela instrumentalidade de seus ministros, pronta e facilmente destrói o que os mestres piedosos constroem com grande e penoso labor.” [8] Em outro lugar, comentando Gálatas 5.9, insiste: “Essa cláusula os adverte de quão danosa é a corrupção da doutrina, para que cuidassem de não negligenciá-la (como é costumeiro) como se fosse algo de pouco ou nenhum risco. Satanás entra em ação com astúcia, e obviamente não destrói o evangelho em sua totalidade, senão que macula sua pureza com opiniões falsas e corruptas. Muitos não levam em conta a gravidade do mal, e por isso fazem uma resistência menos radical. (...) Devemos ser muito cautelosos, não permitindo que algo (estranho) seja adicionado à íntegra doutrina do Evangelho.” [9] Escrevendo a Cranmer (jul/1552?) diz: “A sã doutrina certamente jamais prevalecerá, até que as igrejas sejam melhor providas de pastores qualificados que possam desempenhar com seriedade o ofício de pastor.” [10] Por isso, “É quase impossível exagerar o volume de prejuízo causado pela pregação hipócrita, cujo único alvo é a ostentação e o espetáculo vazio.” [11]


2. O Profeta Amós e a Religiosidade Estereotipada:

Recordemos um pouco o caso do Amós. O profeta Amós localiza bem o período de sua mensagem, indicando o reinado de Uzias em Judá e Jeroboão II em Israel. Uzias começou a reinar no ano 27 de Jeroboão (2Rs 15.1). Jeroboão reinou 41 anos (2Rs 14.23). Amós viveu num período de grande riqueza e, ao mesmo tempo imoralidade. Jeroboão conseguira restaurar as fronteiras do Reino do Norte; havia riqueza e abundância no seu reino, resultantes dos despojos de guerra e de negócios vantajosos feitos com Damasco e com principados ao norte e ao nordeste. Contudo, juntamente com a prosperidade – da qual a classe baixa não participou em nada –, havia um materialismo dominante, caracterizando-se pela exploração dos pobres e imoralidade, tentando aplacar a ira de Deus com cerimoniais vazios. [12]

A mensagem de Deus através do profeta é destinada mais especificamente ao Reino Norte, com capital em Samaria, comumente chamado de Israel (Am 7.11/1.1). Ela foi proferida pelo menos dois anos antes da sua redação; agora, após o terremoto predito, ele relembra o que aconteceu e mostra o que ainda está por vir. (Am 1.1; 2.13; 7.10; 8.8/Zc 14.5). O seu Livro foi escrito por volta do ano 760-755 a.C. A sua mensagem é um lamento pela situação do povo (Am 5.1-2). A métrica utilizada em seu registro, própria dos cantos fúnebres, testemunha a tristeza do poeta diante da mensagem que leva ao povo. [13] Amós era um homem simples, do campo, cuidava de bois e colhia sicômoros [14] (Am 1.1/7.14). Vivia em Tecoa, que ficava a 10 km ao sul de Belém, sendo uma região de pastoreio, privilegiada por montanhas com uma altitude de 850 metros.

Deus está profundamente aborrecido com o seu povo eleito; por isso o disciplinaria (Am 3.1-2). Amós descreve de forma vívida a situação de Judá e, principalmente de Israel. O ponto capital da questão estava no fato de que eles rejeitaram a Lei de Deus e não guardaram os Seus Estatutos; portanto não agiam retamente; transformaram a mensagem de Deus em algo amargo, atirando-a ao chão (Am 5.7/6.12): “...rejeitaram a lei do Senhor, e não guardaram os seus estatutos, antes as suas próprias mentiras os enganaram, e após elas andaram seus pais” (Am 2.4). “...Israel não sabe fazer o que é reto, diz o Senhor, e entesoura nos seus castelos a violência e a devastação” (Am 3.10).

Como resultado da desobediência à Lei de Deus, todas as relações estão transtornadas, marcadas pelo domínio do pecado:

a) Vida Familiar: Imoralidade: Pai e filho coabitando com a mesma mulher (Am 2.7).


b) Vida Social, Política e Econômica:

b.1) Juizes corruptos: Am 2.6-7; 5.12.

b.2) Injustiça de todo tipo: Am 5.7; 6.12.

b.3) Opressão: Am 3.9; 4.1/8.4-6; 5.11-12.

b.4) Exploração dos pobres: Am 5.11-12; 8.4-6.

b.5) Insensibilidade para com o sofrimento alheio: Am 4.1; 6.6.


c) Vida Religiosa:

a) As ofertas eram apenas mecânicas; não alteravam em nada o seu comportamento; eles apenas gostavam do ritual: Am 4.4-5.

b) Aborreciam a instrução: Am 5.10.

Aqui, vem o ponto capital: Não queriam ouvir a Palavra de Deus; para tanto procuravam corromper os mensageiros de Deus (Am 2.11-12; 5.10/ 7.14-16.). A Mensagem profética era entendida como conspiração (Am 7.10). O trágico de tudo isso, é que a mensagem que eles não queriam ouvir era justamente a que poderia salvá-los, porque Deus lhes falava através do profeta; no entanto, eles não queriam que este profetizasse: “Certamente o Senhor Deus não fará cousa alguma, sem primeiro revelar o seu segredo aos seus servos, os profetas” (Am 3.7). “Aborreceis na porta ao que vos repreende, e abominais o que lhe fala sinceramente” (Am 5.10).

Amós, fiel ao seu chamado, testemunha contra a tentativa do povo em silenciá-lo: “Mas o Senhor me tirou de após o gado, e me disse: Vai e profetiza ao meu povo Israel. Ora, pois, ouve a palavra do Senhor: Tu dizes: Não profetizarás contra Israel, nem falarás contra a casa de Isaque” (Am 7.15-16)(Ver Am 2.12).

Enquanto o povo não ouvia o profeta, alimentava-se de mentiras: (Am 2.4). Deus aponta para a insensibilidade espiritual do povo em se converter a Ele: (Do mesmo modo Ageu 1.9-11):

a) Fome não adiantou: Am 4.6.

b) Seca não adiantou: Am 4.7-8.

c) Praga não adiantou: Am 4.9.

d) Peste não adiantou: Am 4.10.

e) Catástrofe não adiantou: Am 4.11.

Deus diz que puniria o seu povo (Am 3.2,14); o abandonaria (Am 6.8). Ele não era subornável mediante cultos mecânicos que não alteravam em nada o seu comportamento; o povo apenas gostava do ritual (Am 4.4-5 5.21-23; Mq 6.6-8; Os 6.6/1Sm 15.22; Os 8.13).

O ritualismo vazio pode ser ilustrado na vida de Israel. Os povos costumam ter seus lugares sagrados, marcos de grandes acontecimentos ou da existência de grandes personagens. Para lá se dirigem objetivando prestar seu culto ou mesmo buscar inspiração. O povo de Israel também tinha esta prática; o livro de Amós nos fala de três lugares (Am 5.1-6):

a) Betel: Jacó teve uma visão de Deus e conclui dizendo que Deus estava naquele lugar (Gn 28.16). Aqui, Jacó saiu com uma nova perspectiva de vida amparada na promessa de Deus (Gn 28.13-15). Mais tarde, Jacó foi a Betel lembrando-se de que Deus se revelara a ele anteriormente (Gn 35.7) e agora, teve uma nova experiência; Deus lhe falara (Gn 35.15), mudou seu nome; ele já não mais se chamaria Jacó mas Israel (Gn 35.10). – Betel significava a presença de Deus e o Seu poder renovador.

b) Gilgal: Josué erigiu um monumento com doze pedras após atravessar a pé enxuto o rio Jordão. Também ali, os homens que nasceram no deserto foram circuncidados e o povo participou da páscoa (Js 4 e 5) – “Gilgal era o santuário que proclamava a herança e a posse da terra prometida de acordo com a vontade de Deus.” [15]

c) Berseba: Abraão fez aliança com Abimeleque e invocou o nome do Senhor. Abimeleque disse a Abraão: “Deus é contigo em tudo o que fazes” (Gn 21.22) – A Bênção de Deus.

Deus não deseja que o povo procure mecanicamente os lugares de culto, por eles mesmos corrompidos (Am 5.5/4.4), mas que O busque, para que tenham vida (Am 5.6). Buscar a Deus é o oposto a meras peregrinações a lugares sagrados, a santuários como em Betel, Gilgal ou Berseba (Am 3.14; 4.4-5; 8.14); estes santuários juntamente com o povo estavam sob julgamento.

Por causa de seus pecados, Israel seria destruído (Am 3.11-12; 5.3; 6.16), sendo levado cativo (Am 4.2-3; 6.7; 7.11,17). Israel deve se preparar para se encontrar com o Senhor, e prestar contas a Ele (Am 4.12-13). No entanto, a mensagem de Deus permanecia até o último instante conclamando o povo a uma atitude de arrependimento e de busca de Deus. A única solução para Israel estava na proclamação de Amós: “Buscai ao Senhor e vivei” (Am 5.6).

É necessário que não permitamos que uma religiosidade estereotipada caracterize a nossa vida; Deus deseja não que cumpramos simplesmente rituais; Ele quer que O busquemos. Os ritos só têm valor quando realizados conforme a Palavra e com sinceridade. A nossa única chance real de salvação é buscar a Deus.

Como vimos, o povo não queria saber da mensagem profética. No século XIX, Spurgeon, comentando sobre a relevância do sermão na adoração, escreve: “Ouvir corretamente o evangelho é uma das partes mais nobres da adoração ao Altíssimo. É um exercício mental em que, quando corretamente praticado, todas as faculdades do homem espiritual são chamadas à realização de atos de devoção. Ouvir reverentemente a Palavra exercita a nossa humildade, instrui a nossa fé, engolfa-nos em raios de fulgente alegria, inflama-nos de amor, inspira-nos zelo, e nos eleva até o céu.” [16]


3. Fidelidade X Popularidade:

No Livro de Amós vemos exemplificado o desprezo à profecia e, ao mesmo tempo, a fidelidade do profeta. Parece-me, no entanto, correto o comentário de Vincent quando declara que “A demanda gera o suprimento. Os ouvintes convidam e moldam os seus próprios pregadores. Se as pessoas desejam um bezerro para adorar, o ministro que fabrica bezerros logo é encontrado.” [17] É preciso atenção redobrada para não cairmos nesta armadilha já que não é difícil confundir os efeitos de uma mensagem com o conteúdo do que anunciamos: a pregação deve ser avaliada pelo seu conteúdo; não pelos seus supostos resultados. Esse assunto está ligado à vertente relacionada ao crescimento de igreja. Iain Murray está correto ao afirmar: “O crescimento espiritual na graça de Cristo vem em primeiro lugar. Onde esse crescimento é menosprezado em troca da busca de resultados, pode haver sucesso, mas será de pouca duração e, no final, diminuirá a eficácia genuína da Igreja. A dependência de número de membros ou a preocupação com números freqüentemente tem se confirmado como uma armadilha para a igreja.” [18]

A confusão entre conteúdo e resultado é fácil de ser feita porque, como acentua MacArthur: “O pregador que traz a mensagem que mais necessitam ouvir é aquele que eles menos gostam de ouvir.” [19] Portanto, a popularidade pode em muitos casos, ser um atestado da infidelidade do pregador na transmissão da voz profética. Lembremo-nos: “Toda a tarefa do ministro fiel gira em torno da Palavra de Deus – guardá-la, estudá-la e proclamá-la.” [20] e: “Ninguém pode pregar com poder sobrenatural, se não pregar a Palavra de Deus.”[21] Quanto mais confiarmos no poder de Deus operante através da Palavra, menos estaremos dispostos a confiar em nossa suposta capacidade. A nossa oratória pode e certamente não é totalmente adequada; no entanto, a Palavra que pregamos, jamais será ineficaz no seu propósito. Neste sentido, escreveu Chapell: “Quando os pregadores percebem o poder que a Palavra possui, a confiança em seu chamado cresce, da mesma forma que o orgulho em seu desempenho murcha. Não precisamos temer nossa ineficácia quando falamos das verdades que Deus revestiu de poder para a realização dos seus propósitos. Ao mesmo tempo, trabalhar como se nossos talentos fossem os responsáveis pela transformação espiritual, torna-nos semelhantes a um mensageiro que reivindicava mérito por ter posto fim à guerra, por haver ele entregue a declaração escrita de paz. O mensageiro tem uma nobre tarefa a realizar, mas porá em risco sua missão e depreciará o verdadeiro vitorioso se atribuir a si, façanhas pessoais. Mérito, honra e glória com relação aos efeitos da pregação pertencem apenas a Cristo, pois somente a Palavra produz renovação espiritual.” [22]

Lembremo-nos de que o pregador não “compartilha” opiniões nem dá suas “opiniões” sobre o texto bíblico, nem faz uma paráfrase irreverente do texto, antes, ele prega a Palavra. O seu objetivo é expressar o que Deus disse através de seus servos. Pregar é explicar e aplicar a Palavra aos nossos ouvintes. O aval de Deus não é sobre nossas teorias e escolhas, muito menos sobre a “graça” de nossas piadas, mas sobre a Sua Palavra. Portanto, o pregador prega o texto, de onde provém a verdade de Deus para o Seu povo.

No final, quando Cristo retornar, certamente Ele não se interessará pela nossa escola homilética ou, se fomos “progressistas” ou “conservadores” mas sim, se fomos fiéis à Palavra em nossa vida e pregação.

Insistimos: devemos estar sinceramente atentos ao que o Espírito diz à Igreja através da Palavra, a fim de praticar os Seus ensinamentos. E isto é válido tanto para quem ouve como para quem prega...

Por outro lado, aquele que prega deve ter consciência de que o púlpito não é o lugar para se exercitar as opiniões pessoais e subjetivas mas sim, para pregar a Palavra, anunciando todo o desígnio de Deus, sob a iluminação do Espírito. Alexander R. Vinet (1797-1847) definiu bem a pregação, ao dizer ser ela “a explicação da Palavra de Deus, a exposição das verdades cristãs, e a aplicação dessas verdades ao nosso rebanho.” [23] Sem a Palavra, o púlpito torna-se um lugar que no máximo serve como terapia para aliviar as tensões de um auditório cansado e ansioso em busca de alívio para as suas necessidades mais imediatamente percebidas. Ele pode conseguir o alívio do sintoma, mas não a cura para as suas reais necessidades.

Uma outra verdade que precisa ser ressaltada, é que apesar de muitos de nós não sermos “grandes” pregadores [24] ou existirem pregadores infiéis, Deus fala: A Palavra de Deus é mais poderosa do que a nossa incompetência ou a infidelidade de outros. Por isso, há a responsabilidade de ambos os lados: Quem prega, pregue a Palavra; quem ouve, ouça com discernimento a Palavra do Espírito de Deus. Recentemente li Chapell dizendo: “Os esforços pessoais dos maiores pregadores são ainda demasiado fracos e manchados pelo pecado para serem responsáveis pelo destino eterno das pessoas. Por essa razão Deus infunde sua Palavra com poder espiritual. A eficácia da mensagem, mais que qualquer virtude do mensageiro, transforma corações.” [25] À frente: “A glória da pregação é que Deus realiza sua vontade por intermédio dela, mas somos sempre humilhados e ocasionalmente confortados com o conhecimento de que Ele age além das nossas limitações humanas.” [26] Ainda: “Pode ser que você jamais ouça elogios do mundo, ou seja pastor de uma igreja com milhares de membros, mas uma vida de piedade associada a uma clara explanação da graça salvadora e santificadora da Escritura garantem o poder do Espírito para a glória de Deus.” [27]

Devemos ter sempre em mente que a pregação foi o meio deliberadamente escolhido por Deus para transformar pessoas e edificar o Seu povo, preservando a sã doutrina através da Igreja que é o baluarte da verdade. [28]


Conclusão:

A pregação é uma tarefa de ínterim; ela ocorre num locus temporal: entre a realidade histórica do Cristo encarnado e a volta do Cristo glorificado e, é nesta condição que ela se realiza e se desenvolve. [29] A Igreja prega a Palavra cumprindo assim o seu ministério ordenado pelo próprio Deus; para tanto ela se prepara da melhor forma possível, usando de todos os recursos disponíveis que se harmonizem com os princípios bíblicos, recorrendo de modo indispensável ao auxílio do Espírito na concretização de sua missão.




NOTAS:

[1] - Vejam-se: Segunda Confissão Helvética, XXIII, § 5.220; Confissão de Westminster, 21.5; João Calvino, As Institutas, IV.1.5.

[2] - John Piper, O Lugar da Pregação na Adoração: In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP., Fiel, nº 11, 2001, p. 20. “O sermão tem um lugar central no culto reformado.” [Walter L. Liefeld, Exposição do Novo Testamento: do texto ao sermão, São Paulo, Vida Nova, 1985, p. 22].

[3] - Walter L. Liefeld, Exposição do Novo Testamento: do texto ao sermão, São Paulo, Vida Nova, 1985, p. 22.

[4] - Vd. J. Calvino, As Institutas, I.9.3.

[5] - Vd. D. Martyn Lloyd-Jones, Do Temor à Fé, Miami, Vida, 1985, p. 46-47.

[6] - João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.15), p. 97. Ver também: João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.15), p. 97-98; (Tt 1.9); p. 313; João Calvino, Efésios, São Paulo, Paracletos, 1998, (Ef 4.12), p. 124-125; As Institutas, IV.1.5; IV.3.11; David M. Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo, PES., 1994, p. 167.

[7] - João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.11), p. 316.

[8] - J. Calvino, As Pastorais, (Tt 1.11), p. 317. [voltar]

[9] - João Calvino, Gálatas, São Paulo, Paracletos, 1998, (Gl 5.9), p. 158-159. [voltar]

[10] - Calvin to Cranmer, Letter 18. In: John Calvin Collection, The AGES Digital Library, 1998. Do mesmo modo, Letters of John Calvin, Selected from the Bonnet Edition, Carlisle, Pennsylvania, The Banner of Truth Trust, 1980, p. 141-142. [voltar]

[11] - João Calvino, As Pastorais, (1Tm 6.3), p. 164. [voltar]

[12] - Cf. G. Archer Jr. Merece Confiança o Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1974, p. 358-359. [voltar]

[13] - Ver: J.A. Motyer, O Dia do Leão: A Mensagem de Amós, São Paulo, ABU Editora, 1984, p. 100-101. [voltar]

[14] - Sicômoros, “ou figueiras bravas, uma árvore donde se extraía um tipo de seiva, ao serem feitas incisões na época certa, quando então essa seiva formaria um tipo de bola endurecida que os pobres compravam como frutas.” (G. Archer Jr. Merece Confiança o Antigo Testamento, p. 358). [voltar]

[15] - J.A. Motyer, O Dia do Leão: A Mensagem de Amós, p. 100. [voltar]

[16] - Charles H. Spurgeon, Lições aos Meus Alunos, São Paulo, PES., 1982, Vol. 2, p. 64. [voltar]

[17] - Marvin R. Vincent, Word Studies in the New Testament, Peabody, MA., Hendrickson Publishers, [s.d.], Vol. 4, (2Tm 4.3), p. 321. [voltar]

[18] - Iain Murray, A Igreja: Crescimento e Sucesso: In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP., Fiel, nº 6, 2000, p. 27. [voltar]

[19] - John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho, São José dos Campos, SP., Fiel, 1997, p. 35. Packer, faz uma pergunta inquietante: “Costumamos lamentar, hoje em dia, que os ministros não sabem pregar; mas não é igualmente verdadeiro que nossas congregações não sabem ouvir.” (J.I. Packer, Entre os Gigantes de Deus: Uma visão puritana da vida cristã, São José dos Campos, SP., FIEL, 1996, p. 275). [voltar]

[20] - John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho, p. 29. [voltar]

[21] - John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho, p. 30. [voltar]

[22] - Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2002, p. 22. [voltar]

[23] - A.R. Vinet, Pastoral Theology: or, The Theory of the Evangelical Ministry, 2ª ed. New York, Ivison, Blakeman, Taylor & Co. 1874, p. 189. [voltar]

[24] - É-nos alentadora a observação de Spurgeon: “O pregador do evangelho pode não ser um bom pregador. Mas o Senhor fala aos pecadores mesmo por meio de pregadores incultos.” (C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo, Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 46). Do mesmo modo, Chapell: “Grandes dons não o tornam grande pregador. A excelência técnica da mensagem pode repousar nas suas habilidades, mas a eficácia espiritual da sua mensagem reside em Deus.” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 25).

[25] - Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 18. À frente continua: “Pregação que é fiel à Escritura converte, convence e amolda o espírito de homens e mulheres, pois ela apresenta o instrumento da compulsão divina, e não que pregadores tenham em si mesmos qualquer poder transformador.” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 19).

[26] - Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 25.

[27] - Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 33.

[28] - MacArthur acentua com veemência em lugares diferentes: “.... Não ousemos menosprezar o principal instrumento de evangelismo: a proclamação direta e cristocêntrica da genuína Palavra de Deus. Aqueles que trocam a Palavra por entretenimento ou artifícios descobrirão que não possuem um meio eficaz de alcançar as pessoas com a verdade de Cristo.” (John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho, p. 117-118). “Os que desejam colocar a dramatização, a música e outros meios mais sutis no lugar da pregação deveriam levar em conta o seguinte: Deus, intencionalmente, escolheu uma mensagem e uma metodologia que a sabedoria deste mundo considera como loucura. O termo grego traduzido por ‘loucura' [1Co 1.21] é mõria, de onde o idioma inglês tira a sua palavra moronic (imbecil). O instrumento que Deus utiliza para realizar a salvação é, literalmente, imbecil aos olhos da sabedoria humana. Mas é a única estratégia de Deus para proclamar a mensagem.” (Ibidem., p. 130).

[29] - Anthony A. Hoekema, observou que: “O período entre a primeira e a segunda vinda de Cristo é a era missionária por excelência. Este é o tempo da graça, um tempo em que Deus convida e insta com todos os homens para serem salvos.” (A.A. Hoekema, A Bíblia e o Futuro, São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1989, p. 187).




________________________________________________