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quarta-feira, 2 de março de 2011

A História da Salvação no Antigo Testamento

por
Vern Sheridan Poythress


Como se une a Bíblia como um todo? Os eventos bíblicos ocorreram num espaço de milhares de anos e em diferentes culturas. Como unificaríamos isso tudo em um só tema?

Um dos temas unificadores da Bíblia é a autoridade divina. Todos os livros da Bíblia são palavra de Deus. Os eventos bíblicos estão lá por causa da vontade de Deus e ele os tem colocado para instrução do seu povo: “Porque tudo o que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança.” (Rom. 15:4).

O Plano de Deus para a História


A Bíblia também deixa claro que Deus tem um plano unificado para a história. O Seu propósito final, um plano para a “plenitude dos tempos”, é ”reunir todas as coisas em Cristo, no céu e na terra” (Ef. 1:10), “para louvor da sua glória” (Ef. 1:12). Deus tem seu plano desde o começo: “Lembrai-vos das coisas antigas; Eu Sou Deus e não há outro, que declaro o fim desde o começo, desde os tempos antigos”. “Meu conselho subsistirá” (Isaías 46:9–10). “Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos.” (Gal. 4:4–5).

A obra de Cristo na terra, e especialmente sua crucificação e ressurreição, é o clímax da história; é o grande centro no qual Deus consuma a salvação para a qual toda a história do AT se direciona, cumprindo as promessas feitas através do Antigo Testamento. A era presente olha para a obra completada de Cristo, mas também para a consumação de sua obra quando vier o tempo dos “novos céus e nova terra em que habita a justiça” (2 Pe. 3:13; Ap. 21:1–22:5).

O plano unificado de Deus o levou a incluir promessas e predições ao longo dos tempos passados, e cumpri-las mais tarde. Às vezes as promessas são explícitas, como quando promete a vinda do Messias (Isaías 9:6–7). Às vezes elas são simbólicas, como quando ele determina que animais sejam sacrificados como símbolo do perdão dos pecados (Lev 4). Em si mesmo, o sacrifício não perdoava pecados (Heb. 10:1–18). Eles apontavam para Cristo.

Cristo no Antigo Testamento


Como o plano de Deus é para Sua glória, focalizando-se em Cristo (Ef. 1:10), é natural que as promessas do Antigo Testamento apontassem para Cristo, “Pois todas as promessas de Deus têm nele o sim” (2 Cor. 1:20). Quando Cristo apareceu aos discípulos depois de sua ressurreição, ele os fez perceber que ele mesmo (Cristo) estava nas Escrituras: E ele lhes disse:
Ó néscios, e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura não convinha que o Cristo padecesse estas coisas e entrasse na sua glória? E, começando por Moisés, e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras.” “E disse-lhes: São estas as palavras que vos disse estando ainda convosco: Que convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés, e nos profetas e nos Salmos. Então abriu-lhes o entendimento para compreenderem as Escrituras. E disse-lhes: Assim está escrito, e assim convinha que o Cristo padecesse, e ao terceiro dia ressuscitasse dentre os mortos, e em seu nome se pregasse o arrependimento e a remissão dos pecados, em todas as nações, começando por Jerusalém. (Lc 24:25–27, 44-47)
Quando a Bíblia diz que “abriu seus olhos para entender as Escrituras” (Lc 24:45), não quer dizer simplesmente que Cristo mostrou a eles umas poucas predições acerca de si mesmo como Messias. Significa que Cristo é o centro do AT inteiro, abrangendo todas as três partes do AT como os judeus o conheciam: A Lei de Moisés, incluindo Gênesis a Deuteronômio; Os Profetas, incluindo profetas anteriores (como os seutóricos Josué, Juízes, Samuel, Reis) e os posteriores (Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel e os Doze). Os Salmos representavam para os judeus a terceira porção de livros chamada de Escritos. O coração de todos esses escritos é que eles apontavam para o sofrimento de Jesus, sua ressurreição e a conseqüente pregação do evangelho a todas as nações (Lc 24:47). O AT como um todo, através de suas promessas, símbolos de salvação, aponta para o cumprimento da Redenção que teve lugar uma vez por todas em Cristo.

As Promessas de Deus

Por que modos o AT aponta para Cristo? Primeiro, por meio de promessas de salvação e promessas concernentes ao compromisso de Deus com seu povo. Deus nos promessas específicas sobre o Messias como o Salvador na linhagem de Davi. Através do profeta Miquéias, Deus prometeu que o Messias nasceria em Belém, cidade de Davi (Mq. 5:2), profecia que se cumpriu perfeitamente (Mat. 2:1–12). Mas Deus freqüentemente dava promessas gerais a respeito dos dias futuros de salvação, detalhando o seu cumprimento (e.g., Isaías 25:6–9; 60:1–7).

Um frequente refrão era “Eu serei seu Deus, e eles serão meu povo” (cf. Jer. 31:33; Os. 2:23; Zc. 8:8; 13:9; Heb. 8:10). Às vezes algumas variações dessa promessa focalizavam o povo e o que ele devia ser, e em outros casos se relacionava com Deus e o que Deus haveria de fazer. A promessa “Serei o seu Deus” é realmente um compromisso de estar com o seu povo, cuidar dele, discipliná-lo, protegê-lo, suprir suas necessidades e ter um relacionamento pessoal com ele. De modo contínuo, essa promessa finalmente é consumada na salvação em que Deus traria em Cristo.

Esse princípio se estende a todas as promessas do AT: “Todas as promessas de Deus têm nele (Cristo) o sim” (2 Cor. 1:20). Algumas vezes Deus dava imediatamente bênçãos temporais. Essas bênçãos eram apenas antecipação das ricas bênçãos que viriam por meio de Cristo: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênçãos espirituais nas regiões celestiais” (Ef. 1:3).

Advertências e Maldições

Mas a relação de Deus com seu povo não era apenas de bênçãos, é claro, mas também de advertências, e promessas de maldição. Era necessário que fosse assim por conta da reação justa de Deus contra o pecado. Essas advertências antecipavam e apontavam para Cristo de duas maneiras diferentes. Primeiro, Cristo é o Cordeiro de Deus, que carrega a maldição (Jo 1:29; 1 Pe. 2:24). Ele era inocente quanto ao pecado, mas levou por nós a maldição (2 Cor. 5:21; Gal. 3:13). Toda ocasião no AT que retrata a ira de Deus contra o pecado e sua punição, aponta para a ira que caiu sobre Cristo, na cruz.

Em segundo lugar, Cristo lutará contra o pecado e o exterminará na segunda vinda. Sua segunda vinda e a consumação será o tempo em que o julgamento final contra o pecado será executado. Todo castigo pelo pecado nos tempos passados aponta para o julgamento final. Cristo antecipava seu julgamento final quando em vida expulsava demônios e denunciava os pecados dos líderes religiosos.

Os Pactos



As promessas de Deus no AT estão não apenas no contexto dos compromissos de Deus para com seu povo, mas também nas obrigações que o povo tem para com Deus. Noé, Abraão e outros a quem Deus encontra e se dirige são chamados não somente a crer em Deus, mas a responder com suas vidas ao chamado de Deus. A relação de Deus com seu povo é consumada por meio de pactos. Quando Deus faz um pacto com o homem, ele é apresentado como o Soberano que especifica as obrigações do pacto para ambas as partes. ―Eu serei seu Deus‖ é a obrigação fundamental do lado de Deus, enquanto que “eles serão meu povo” é a obrigação fundamental para o lado humano.

Por exemplo, quando Deus chama Abrão, ele diz, “Sai a tua terra e da tua parentela para a terra que te mostrarei” (Gen. 12:1). Esse mandamento especifica uma obrigação da parte de Abrão. Mas Deus diz o que fará de sua parte: “E eu farei de ti uma grande nação, e te abençoarei” (Gen. 12:2). As declarações de Deus tomam a forma de promessas, de bênçãos e advertências. As promessas e bênçãos apontam para Cristo, que é o cumprimento das promessas e fonte última das bênçãos de Deus. As advertências (maldições) apontam para Cristo no seu papel de nosso substituto e executor de julgamento contra o pecado, especialmente em sua segunda vinda.

Cristo também tem as obrigações do lado humano dos pactos. Cristo é plenamente homem e plenamente Deus. Como homem, ele está com seu povo do lado humano. Ele cumpre as obrigações dos pactos por sua perfeita obediência (Heb. 5:8). Ele recebeu a recompensa da sua obediência em sua ressurreição e ascensão (Fp. 2:9–10). Os pactos do AT no lado humano apontam para sua consumação em Cristo.

Ao tratar com a ira de Deus contra o pecado, Cristo mudou a situação do homem de alienação para paz. Ele nos reconciliou com Deus (2 Cor. 5:18–21; Rom. 5:6–11). Ele nos trouxe o privilégio do relacionamento pessoal com Deus, o fato de sermos chamados filhos de Deus (Rom. 8:14–17). A intimidade com Deus é o que todo o AT antecipa. Em Isaías, Deus declara que seu Servo, o Messias, será o pacto para o seu povo (Isaías 42:6; 49:8).

A Descendência



Junto aos pactos, a Bíblia focaliza num elemento especial, a saber, a promessa acerca da descendência de Jesus. No pacto com Abrão, Deus o chama para “andar em sua presença e ser perfeito” (Gen. 17:1). Esse é o lado “humano” da obrigação do pacto. No outro lado, Deus promete fazer dele “pai de multidão” (Gen. 17:4), e muda seu nome para Abraão (Gen. 17:5). E esse pacto se estende às gerações posteriores de Abraão: “Estabelecerei meu pacto entre ti e tua descendência depois de ti por meio de um pacto eterno. E darei a terra da possessão a ti e teus descendentes” (Gen. 17:7–8).

As promessas a Abraão são importantíssimas porque são a base da nação de Israel. A história de Abraão mostra que ele teve um filho, Isaque, que era o resultado da promessa de Deus, e deu origem às doze tribos.

Mas como isso tudo se relaciona com Cristo? Cristo é o descendente de Davi e Abraão (Mat. 1:1). Ele é a semente de Abraão: “Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua descendência. Não diz: E às descendências, como falando de muitas, mas como de uma só: E à tua descendência, que é Cristo.” (Gal. 3:16; Gen. 22:15–18).

Abraão ouviu o chamado “ande após mim e seja perfeito” (Gen. 17:1). Ele confiou em Deus (Gal. 3:9; Heb. 11:8–12, 17–19). Mas tinha suas falhas e pecados. Em último caso, quem anda na presença de Deus e é perfeito? Não Abraão! Ninguém nesse mundo, mas Cristo (Heb. 4:15). Todos os outros que sucederam Abraão na “descendência” foram pecadores. Por isso o pacto com Abraão tem um apontamento certo para Cristo. Cristo é o Descendente Final para quem todos os anteriores apontam: Isaque, Jacó, e os filhos de Jacó. Entres eles, é Judá que terá um reinado (Gen. 49:10). Davi é o descendente de Abraão e Judá; Salomão é o descendente de Davi; seguindo com Jeroboão e os outros descendentes de Davi e Salomão (Mateus. 1:1–16).

Cristo não é meramente o herdeiro por direito legal, mas o único perfeito. Através dele somos unidos e nos tornamos nós mesmos “descendência” de Abraão (Gal. 3:29). Cristãos, judeus e gentios tornam-se participantes da promessa (Gal. 3:28–29).

Cristo como o Último Adão

Cristo não é somente o descendente perfeito de Abraão, mas, antes disso, o descendente da mulher (Gen. 3:15). A vitória sobre a serpente e sobre o mal e a reversão dos seus efeitos tem sua raiz na descendência da mulher. A sua semente é traçada, passando por Eva, Sete, Noé, etc. (Lc 3:23–38). Assim Cristo é também o último Adão (1 Cor. 15:45–49) e, como era Adão, Cristo representa todos os que descendem dele, pela fé.

Sombras, Figuras e “Tipos”

Constantemente o NT fala de Cristo e da salvação. O que não é tão óbvio para as pessoas é que o mesmo é verdade no que diz respeito ao AT. Mas lá isso acontece como antecipação, com “sombras” e “tipos” das coisas que virão (1 Cor. 10:6, 11; Heb. 8:5).

Por exemplo, 1 Coríntios 10:6 fala que os eventos que aconteceram com os israelitas no deserto eram “exemplos para nós”. E 1 Coríntios 10:11 diz, “Estas coisas aconteceram como exemplo pra nós, para nossa instrução.” Em 1 Coríntios 10:6 e 11, a palavra grega para “exemplo” é typos, da qual deriva “tipo” (cf. Rom. 5:14).

Um “tipo”, na linguagem teológica, é um exemplo especial, símbolo, ou figura que Deus providenciou em direção ao futuro. Sacrifício de animais eram “tipos”, de Cristo. O templo era a presença de Deus. E Cristo é o cumprimento total desse “tipo” (Mat. 1:23; Jo 2:21). Os sacerdotes do AT eram tipos de Cristo, o grande sacerdote (Heb. 7:11–8:7).

A consumação tem o seu lugar em Cristo (Ef. 1:10; 2 Cor. 1:20). Mas o NT também fala que aqueles que estão “em Cristo”, que depositam sua fé nele, recebem os benefícios daquilo que ele consumou. Portanto, podemos achar no AT “tipos” que se referem à igreja. Por exemplo, o templo prefigura Cristo, cujo corpo é o templo (Jo 2:21), mas prefigura também a igreja, que é chamada de templo (1 Cor. 3:16–17). Alguns símbolos do AT falam da consumação final que terá lugar nos “novos céus e nova terra” (2 Pe. 3:13; Ap21:1–22:5). A Jerusalém do AT prefigura a nova Jerusalém “que vem da parte de Deus” (Ap. 21:2).

Cristo o Mediador

A Bíblia deixa claro que, desde que Adão caiu em pecado, o pecado e suas conseqüências têm sido o maior problema da raça humana. Pecado é rebelião contra Deus e seu salário é a morte (Rom. 6:23). Deus é santo e ninguém pode estar em sua presença sem morrer (Ex. 33:20). Logo, o homem necessita de Cristo como o mediador que responde por ele diante de Deus (1 Tim. 2:5–6). Cristo é tanto Deus quanto homem, mas sem pecado, e é o único suficiente para realizar essa mediação.

Embora haja apenas um mediador em último caso, há vários mediadores representativos no AT: Moisés, por exemplo. (Ex 19). Quando o povo se apavorou da presença de Deus, Moisés intercedeu por ele (Ex. 20:18–21, Deut. 5:28–33).

Mas se o mediador é um só, como Moisés podia ser um? Moisés prefigurava a mediação de Cristo, que o é mediador verdadeiro. Como Moisés era pecador, não poderia estar na presença de Deus sem perdão, isto é, sem ter um mediador ao seu lado. Logo, Moisés pôde estar ali na presença de Deus somente porque, de acordo com o plano de Deus, a obra de Cristo faria expiação pelos pecados de Moisés. Os benefícios da redenção de Cristo foram antecipados a Moisés e assim tem sido com todos os santos do AT. Como eles poderiam ser salvos se Deus exigia perfeição? Deus é perfeitamente santo. A perfeição era graciosamente aplicada a eles por meio de Cristo, que haveria de vir.

Isso significa que existe um só meio de salvação no Antigo e Novo Testamentos. Somente Cristo pode nos salvar (At 4:12) e no AT, salvação vem freqüentemente representada por um mediador, que pode ser uma pessoa ou instituição que fique entre Deus e o homem.

Então, a unidade da Bíblia aumenta quando vemos os casos em que Deus salva seu povo e os casos em que um mediador, no AT fica entre Deus e o homem. Deus traz salvação espiritual na forma de comunhão pessoal, intimidade espiritual, e a promessa da vida eterna com Deus. Não somente casos de salvação espiritual, mas de salvação temporal, num sentido “físico”, que prefigura a salvação num sentido espiritual. Aliás, salvação não é meramente espiritual. Nós olhamos para a ressurreição do corpo e para os “novos céus e nova terra em que habita justiça” (2 Pe. 3:13). A salvação pessoal começa com a renovação do coração, mas na sua consumação atingirá dimensões cósmicas. O AT, quanto fala da terra física, prosperidade material e da saúde física, antecipa a prosperidade dos crentes nos novos céus e na nova terra de um ponto de vista físico.

Os casos de mediadores no AT incluem os profetas, reis e sacerdotes. Profetas trazem a palavra de Deus para o povo. Reis, quando se submetem a Deus, trazem o reinado de Deus para o povo. Sacerdotes representam o povo na presença de Deus. Cristo é o Profeta, Rei e Sacerdote que consuma todas estas três funções em um sentido último (Heb. 1:1–3). Podemos observar também os homens sábios, que trazem a sabedoria de Deus para o povo; e os guerreiros, que trazem a libertação dos inimigos; e músicos, que trazem o louvor a Deus no meio do povo, mostrando com música o caráter de Deus.

Mediação ocorre não apenas através de figuras humanas, mas também por meio de instituições. Os pactos dão início a um papel de mediação ao trazer a palavra de Deus ao povo; o templo traz a presença de Deus. O sacrifício de animais traz o perdão de Deus. Ao lermos a Bíblia, vemos todos esses meios de mediação estabelecidos por Deus. E porque há um só mediador, isso significa que todos eles apontam para Cristo.
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