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terça-feira, 22 de março de 2011

Autoridade, Intelecto, Coração

Por
Benjamin B. Warfield (1851-1921)



O breve ensaio que se segue foi originalmente publicado no “The Presbyterian Messenger” (O Mensageiro Presbiteriano) em 30/01/1896.

A exata natureza da íntima relação entre religião e teologia nem sempre é percebida. Algumas vezes, a religião é produto direto da teologia; com maior freqüência, teologia é compreendida como sendo diretamente baseada na religião. A verdade é que apesar delas refletirem continuamente, uma sobre a outra, uma não é criação da outra. Elas são produtos paralelos do mesmo corpo de verdades, em diferentes esferas. Religião é o nome que nós damos à vida religiosa; teologia é o nome que damos ao corpo sistematizado do pensamento religioso. Uma não é produto da outra, mas ambas são produtos da verdade religiosa, operante nas duas esferas da vida e pensamento. Uma não pode existir sem a outra. Ninguém, exceto um homem religioso, pode ser um verdadeiro teólogo. Ninguém que é livre de toda concepção teológica pode viver de modo religioso. O homem é uma unidade e a verdade religiosa que o influencia deve afetá-lo em todas as suas atividades, ou em nenhuma delas. Mas é na origem da verdade religiosa que lhes é comum, que a religião e a teologia encontram suas mais profundas ligações. A verdade concernente a Deus, Sua natureza, Sua vontade, Seus propósitos, é o fato fundamental sobre o qual a religião e a teologia repousam. A verdade sobre Deus é, portanto, o que há de mais importante sobre a Terra. Sobre ela descansa nossa fé, nossa esperança e nosso amor. Através dela somos convertidos e santificados. Dela depende toda nossa religião, bem como toda nossa teologia.
Existem três meios ou canais pelos quais a verdade sobre Deus é trazida ao homem e feita sua possessão, para que possa afetar sua vida e assim fazê-lo religioso, ou para que possa ser sistematizado em seu pensamento resultando em teologia. Estes três meios ou canais de comunicação podem ser enumerados resumidamente como autoridade, o intelecto e o coração. Em qualquer religião sadia e em qualquer pensamento religioso verdadeiro, o qual é teologia, todos os três devem estar ligados e devem trabalhar harmoniosamente juntos como a causa imediata de nossa religião e nosso conhecimento. Dar mais importância a qualquer um deles, em detrimento dos outros, irá, então, frustrar nossa vida religiosa e nosso pensamento religioso, igualmente e fará ambos parciais e disformes. Não podemos ter uma vida religiosa simétrica, ou uma verdadeira teologia, a não ser através da perfeita interação de todas as três fontes de comunicação da verdade.
Entretanto, pode-se argumentar, plausivelmente, que os três se reduzem, no fim das contas, a um só; e que este único canal da verdade, por sua vez, pode, com quase igual plausibilidade, ser encontrado em cada um dos três. Deste modo, pode‑se concluir que nossa confiança no processo de nosso intelecto e na liberação de nossos sentimentos, baseia-se na fidelidade de Deus; assim, afinal, a autoridade é a única fonte do nosso conhecimento que concerne a Deus. Sabemos somente o que e quanto Deus nos revela.


Semelhantemente, pode ser argumentado que toda a máxima da autoridade é endereçada ao intelecto, que também é o único instrumento para apurar as implicações dos sentimentos; assim sendo, toda nossa fonte de conhecimento reduz‑se, pelo menos, a esta única fonte: o intelecto. Sabemos apenas aquilo que nosso intelecto compreende e formula para nós.
Uma vez mais, pode ser argumentado que não a razão lógica, mas os fatos da vida, nossos esforços supernos, nossos sentimentos de dependência e responsabilidade, suprem os pontos de contatos entre nós e Deus, sem os quais todos os trovões da autoridade e toda excursão do pensamento no reino das coisas divinas, poderiam ser tão incompreensíveis para nós e tão inoperante em nós, como uma conversa sobre cores seria para um homem cego.
Há verdade em cada uma destas considerações; mas elas não servem para mostrar que temos somente um meio de acesso às coisas divinas; antes enfatizam o fato que as três fontes estão tão entrelaçadas e interagindo, que uma não pode ser superestimada, em detrimento das outras, como único canal de conhecimento concernente a Deus e às coisas divinas.
A superestima do princípio da autoridade poderia nos lançar no tradicionalismo e por fim nos entregar, de pés e mãos amarradas, ao dogmatismo irresponsável de uma casta privilegiada. Este é o caminho que tem sido trilhado pela Igreja de Roma, e que resulta numa submissão desanimada à máxima, primeiro de uma igreja infalível, depois de urna classe infalível e por fim de uma pessoa infalível. Aqui, nem ao coração, nem ao intelecto, é permitido falar na presença da “soberana” autoridade; mas homens são dirigidos, obedientemente, a receber pela autoridade, mesmo o que contradiz suas mais primárias percepções (como na doutrina da transubstanciação), ou o que se aproveita dos seus mais íntimos sentimentos (como no uso das indulgências).
A superestima do princípio do intelecto poderia nos trazer ao racionalismo e nos deixar sem ajuda, de posse do mero entendimento lógico. Este caminho tem sido seguido pelos racionalistas, e nós temos, como resultado, alguma quantidade de sistemas a priori, construídos, unicamente, sobre o mérito da faculdade da razão. Aqui, nem à revelação, nem à consciência, é permitido promover um protesto contra o deprimente processo intelectual; mas, todas as coisas são restabelecidas a convite de preferências conhecidas anteriormente e requer-se dos homens que rejeitem, como falso, tudo que não tenha prova concludente à mão, mesmo que Deus tenha falado para asseverar sua verdade (como na doutrina da Trindade) ou o coração diz: “eu tenho experimentado” (como no pecado original).
A superestima do princípio do coração poderia nos lançar no misticismo e nos entregar ao engano da corrente de sentimento que flui para cima e para baixo em nossas almas. Este caminho tem sido experimentado pelos místicos, e nós temos como resultado o conflito de revelações antagônicas e a deificação das mais mórbidas imaginações humanas. Aqui, nem à verdade objetiva da palavra revelada, nem à lealdade ao pensamento racional, é permitido confrontar o sonho desvairado de uma alma que se imagina divina, ou a confusão de nossos mais fracos sentimentos, com a forte voz de Deus; e os homens são proibidos de elucidar suas fantasias rudes por justa razão (como na doutrina da absorção em Deus), ou crer no testemunho do próprio Deus sobre sua real natureza (como com referência a sua personalidade).
Portanto, autoridade quando imposta além do limite se tornando tradicionalismo, intelecto no racionalismo e o coração no misticismo, ilustra o perigo de uma edificação parcial.
Autoridade, intelecto e o coração são os três lados do triângulo da verdade. Como eles interagem é observado em qualquer estágio concreto de sua operação.
Autoridade nas Escrituras, provê a substância que é recebida no intelecto e opera no coração. As revelações das Escrituras não acabam no intelecto. Elas não foram dadas meramente para iluminar a mente. Elas foram transmitidas através do intelecto para embelezar a vida. Elas acabam no coração. Elas não deixam o intelecto intocado, se afetam o coração. Elas não podem ser totalmente entendidas pelo intelecto, agindo sozinho. O homem natural não pode receber as coisas do Espírito de Deus. Elas devem primeiro converter a alma antes de serem completamente compreendidas pelo intelecto. Somente quando são vividas, são entendidas. Por isso a frase: "Creia para que possa entender" é totalmente válida. Nenhum homem pode compreender, intelectualmente, todo o significado das revelações da autoridade, salvo como resultado de experimentá‑las na sua vida. Por isso, para que as verdades concernentes às coisas divinas possam ser compreendidas de tal forma, que se unam com um verdadeiro conjunto de verdade divina, elas devem ser: primeiro, reveladas em uma palavra autoritativa; segundo, experimentadas num coração santo; e terceira, formuladas por um intelecto santificado. Somente quando estes três se unem, então, podemos ter uma verdadeira teologia. E, igualmente, para que estas mesmas verdades possam ser recebidas de forma a produzir em nós uma religião viva, elas devem ser: primeiro, reveladas em uma palavra autoritativa; segundo, apreendidas por um intelecto sadio; e terceiro, experimentadas num coração instruído. Somente nesta união, portanto, podemos ter uma religião vital.


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