Introdução:
Dentro da visão Reformada, a Palavra de Deus ocupa o lugar central do Culto, visto que é através dela que Deus nos fala. [1] Deus se dignou em revelar a Si mesmo como Palavra e através da Palavra: “No princípio era o Verbo” (Jo 1.1). “No princípio, não era a música, nem o teatro. Deus identifica seu Filho, que é Deus, com a Palavra. Isso é tremendamente importante.” [2] “Um dos objetivos do sermão, sem dúvida, o mais elevado, deve ser a adoração de Deus e a exaltação do seu nome.” [3]
A pregação não deve ser rejeitada (1Ts 5.19-21); ela deve ser entendida como a Palavra de Deus para nós; recusá-la é o mesmo que rejeitar o Espírito (1Ts 4.8). [4] O mundo por sua vez, deseja ansiosamente ouvir, porém, não a Palavra de Deus (1Jo 4.5). Como há falsos pregadores e falsos mestres, é necessário “provar” o que está sendo proclamado para ver se o seu conteúdo se coaduna com a Palavra de Deus (At 17.11,12/1Jo 4.1-6). No entanto, neste período de grandes e graves transformações, torna-se evidente que os homens, de forma cada vez mais veemente, querem ouvir mais o reflexo de seus desejos e pensamentos, a homologação de suas práticas. Assim sendo, a palavra que deveria ser profética, tende com demasiada freqüência – mesmo assinando o seu obituário –, a se tornar apenas algo apetecível ao “público alvo”, aos seus valores e devaneios, ou, então, nós pregadores, somos tentados a usar de nossa “eloqüência” para compartilhar generalidades da semana, sempre, é claro, com uma alusão bíblica aqui ou ali, para justificar a nossa “pregação”; o fato é que uma geração incrédula, é sempre acintosamente crítica para com a palavra profética. [5]
1. Os Oráculos de Deus:
À Igreja foi confiada a Palavra de Deus, a qual ela deve preservar em seus ensinamentos e prática (Rm 3.2; 1Tm 3.15). Calvino entendia que “a verdade, porém, só é preservada no mundo através do ministério da Igreja. Daí, que peso de responsabilidade repousa sobre os pastores, a quem se tem confiado o encargo de um tesouro tão inestimável!”. [6] Portanto, “um bom pastor deve estar sempre alerta para que seu silêncio não propicie a invasão de doutrinas ímpias e danosas, e ainda propicie aos perversos uma irrefreada oportunidade de difundi-las.” [7] Daí, a fidelidade inarredável à Palavra que deve ter o ministro: “Quão arriscado é afastar-se, mesmo que seja um fio de cabelo da doutrina. (...) Em razão da fragilidade da carne, somos excessivamente inclinados a cair, e o resultado é que Satanás pela instrumentalidade de seus ministros, pronta e facilmente destrói o que os mestres piedosos constroem com grande e penoso labor.” [8] Em outro lugar, comentando Gálatas 5.9, insiste: “Essa cláusula os adverte de quão danosa é a corrupção da doutrina, para que cuidassem de não negligenciá-la (como é costumeiro) como se fosse algo de pouco ou nenhum risco. Satanás entra em ação com astúcia, e obviamente não destrói o evangelho em sua totalidade, senão que macula sua pureza com opiniões falsas e corruptas. Muitos não levam em conta a gravidade do mal, e por isso fazem uma resistência menos radical. (...) Devemos ser muito cautelosos, não permitindo que algo (estranho) seja adicionado à íntegra doutrina do Evangelho.” [9] Escrevendo a Cranmer (jul/1552?) diz: “A sã doutrina certamente jamais prevalecerá, até que as igrejas sejam melhor providas de pastores qualificados que possam desempenhar com seriedade o ofício de pastor.” [10] Por isso, “É quase impossível exagerar o volume de prejuízo causado pela pregação hipócrita, cujo único alvo é a ostentação e o espetáculo vazio.” [11]
2. O Profeta Amós e a Religiosidade Estereotipada:
Recordemos um pouco o caso do Amós. O profeta Amós localiza bem o período de sua mensagem, indicando o reinado de Uzias em Judá e Jeroboão II em Israel. Uzias começou a reinar no ano 27 de Jeroboão (2Rs 15.1). Jeroboão reinou 41 anos (2Rs 14.23). Amós viveu num período de grande riqueza e, ao mesmo tempo imoralidade. Jeroboão conseguira restaurar as fronteiras do Reino do Norte; havia riqueza e abundância no seu reino, resultantes dos despojos de guerra e de negócios vantajosos feitos com Damasco e com principados ao norte e ao nordeste. Contudo, juntamente com a prosperidade – da qual a classe baixa não participou em nada –, havia um materialismo dominante, caracterizando-se pela exploração dos pobres e imoralidade, tentando aplacar a ira de Deus com cerimoniais vazios. [12]
A mensagem de Deus através do profeta é destinada mais especificamente ao Reino Norte, com capital em Samaria, comumente chamado de Israel (Am 7.11/1.1). Ela foi proferida pelo menos dois anos antes da sua redação; agora, após o terremoto predito, ele relembra o que aconteceu e mostra o que ainda está por vir. (Am 1.1; 2.13; 7.10; 8.8/Zc 14.5). O seu Livro foi escrito por volta do ano 760-755 a.C. A sua mensagem é um lamento pela situação do povo (Am 5.1-2). A métrica utilizada em seu registro, própria dos cantos fúnebres, testemunha a tristeza do poeta diante da mensagem que leva ao povo. [13] Amós era um homem simples, do campo, cuidava de bois e colhia sicômoros [14] (Am 1.1/7.14). Vivia em Tecoa, que ficava a 10 km ao sul de Belém, sendo uma região de pastoreio, privilegiada por montanhas com uma altitude de 850 metros.
Deus está profundamente aborrecido com o seu povo eleito; por isso o disciplinaria (Am 3.1-2). Amós descreve de forma vívida a situação de Judá e, principalmente de Israel. O ponto capital da questão estava no fato de que eles rejeitaram a Lei de Deus e não guardaram os Seus Estatutos; portanto não agiam retamente; transformaram a mensagem de Deus em algo amargo, atirando-a ao chão (Am 5.7/6.12): “...rejeitaram a lei do Senhor, e não guardaram os seus estatutos, antes as suas próprias mentiras os enganaram, e após elas andaram seus pais” (Am 2.4). “...Israel não sabe fazer o que é reto, diz o Senhor, e entesoura nos seus castelos a violência e a devastação” (Am 3.10).
Como resultado da desobediência à Lei de Deus, todas as relações estão transtornadas, marcadas pelo domínio do pecado:
a) Vida Familiar: Imoralidade: Pai e filho coabitando com a mesma mulher (Am 2.7).
b) Vida Social, Política e Econômica:
b.1) Juizes corruptos: Am 2.6-7; 5.12.
b.2) Injustiça de todo tipo: Am 5.7; 6.12.
b.3) Opressão: Am 3.9; 4.1/8.4-6; 5.11-12.
b.4) Exploração dos pobres: Am 5.11-12; 8.4-6.
b.5) Insensibilidade para com o sofrimento alheio: Am 4.1; 6.6.
c) Vida Religiosa:
a) As ofertas eram apenas mecânicas; não alteravam em nada o seu comportamento; eles apenas gostavam do ritual: Am 4.4-5.
b) Aborreciam a instrução: Am 5.10.
Aqui, vem o ponto capital: Não queriam ouvir a Palavra de Deus; para tanto procuravam corromper os mensageiros de Deus (Am 2.11-12; 5.10/ 7.14-16.). A Mensagem profética era entendida como conspiração (Am 7.10). O trágico de tudo isso, é que a mensagem que eles não queriam ouvir era justamente a que poderia salvá-los, porque Deus lhes falava através do profeta; no entanto, eles não queriam que este profetizasse: “Certamente o Senhor Deus não fará cousa alguma, sem primeiro revelar o seu segredo aos seus servos, os profetas” (Am 3.7). “Aborreceis na porta ao que vos repreende, e abominais o que lhe fala sinceramente” (Am 5.10).
Amós, fiel ao seu chamado, testemunha contra a tentativa do povo em silenciá-lo: “Mas o Senhor me tirou de após o gado, e me disse: Vai e profetiza ao meu povo Israel. Ora, pois, ouve a palavra do Senhor: Tu dizes: Não profetizarás contra Israel, nem falarás contra a casa de Isaque” (Am 7.15-16)(Ver Am 2.12).
Enquanto o povo não ouvia o profeta, alimentava-se de mentiras: (Am 2.4). Deus aponta para a insensibilidade espiritual do povo em se converter a Ele: (Do mesmo modo Ageu 1.9-11):
a) Fome não adiantou: Am 4.6.
b) Seca não adiantou: Am 4.7-8.
c) Praga não adiantou: Am 4.9.
d) Peste não adiantou: Am 4.10.
e) Catástrofe não adiantou: Am 4.11.
Deus diz que puniria o seu povo (Am 3.2,14); o abandonaria (Am 6.8). Ele não era subornável mediante cultos mecânicos que não alteravam em nada o seu comportamento; o povo apenas gostava do ritual (Am 4.4-5 5.21-23; Mq 6.6-8; Os 6.6/1Sm 15.22; Os 8.13).
O ritualismo vazio pode ser ilustrado na vida de Israel. Os povos costumam ter seus lugares sagrados, marcos de grandes acontecimentos ou da existência de grandes personagens. Para lá se dirigem objetivando prestar seu culto ou mesmo buscar inspiração. O povo de Israel também tinha esta prática; o livro de Amós nos fala de três lugares (Am 5.1-6):
a) Betel: Jacó teve uma visão de Deus e conclui dizendo que Deus estava naquele lugar (Gn 28.16). Aqui, Jacó saiu com uma nova perspectiva de vida amparada na promessa de Deus (Gn 28.13-15). Mais tarde, Jacó foi a Betel lembrando-se de que Deus se revelara a ele anteriormente (Gn 35.7) e agora, teve uma nova experiência; Deus lhe falara (Gn 35.15), mudou seu nome; ele já não mais se chamaria Jacó mas Israel (Gn 35.10). – Betel significava a presença de Deus e o Seu poder renovador.
b) Gilgal: Josué erigiu um monumento com doze pedras após atravessar a pé enxuto o rio Jordão. Também ali, os homens que nasceram no deserto foram circuncidados e o povo participou da páscoa (Js 4 e 5) – “Gilgal era o santuário que proclamava a herança e a posse da terra prometida de acordo com a vontade de Deus.” [15]
c) Berseba: Abraão fez aliança com Abimeleque e invocou o nome do Senhor. Abimeleque disse a Abraão: “Deus é contigo em tudo o que fazes” (Gn 21.22) – A Bênção de Deus.
Deus não deseja que o povo procure mecanicamente os lugares de culto, por eles mesmos corrompidos (Am 5.5/4.4), mas que O busque, para que tenham vida (Am 5.6). Buscar a Deus é o oposto a meras peregrinações a lugares sagrados, a santuários como em Betel, Gilgal ou Berseba (Am 3.14; 4.4-5; 8.14); estes santuários juntamente com o povo estavam sob julgamento.
Por causa de seus pecados, Israel seria destruído (Am 3.11-12; 5.3; 6.16), sendo levado cativo (Am 4.2-3; 6.7; 7.11,17). Israel deve se preparar para se encontrar com o Senhor, e prestar contas a Ele (Am 4.12-13). No entanto, a mensagem de Deus permanecia até o último instante conclamando o povo a uma atitude de arrependimento e de busca de Deus. A única solução para Israel estava na proclamação de Amós: “Buscai ao Senhor e vivei” (Am 5.6).
É necessário que não permitamos que uma religiosidade estereotipada caracterize a nossa vida; Deus deseja não que cumpramos simplesmente rituais; Ele quer que O busquemos. Os ritos só têm valor quando realizados conforme a Palavra e com sinceridade. A nossa única chance real de salvação é buscar a Deus.
Como vimos, o povo não queria saber da mensagem profética. No século XIX, Spurgeon, comentando sobre a relevância do sermão na adoração, escreve: “Ouvir corretamente o evangelho é uma das partes mais nobres da adoração ao Altíssimo. É um exercício mental em que, quando corretamente praticado, todas as faculdades do homem espiritual são chamadas à realização de atos de devoção. Ouvir reverentemente a Palavra exercita a nossa humildade, instrui a nossa fé, engolfa-nos em raios de fulgente alegria, inflama-nos de amor, inspira-nos zelo, e nos eleva até o céu.” [16]
3. Fidelidade X Popularidade:
No Livro de Amós vemos exemplificado o desprezo à profecia e, ao mesmo tempo, a fidelidade do profeta. Parece-me, no entanto, correto o comentário de Vincent quando declara que “A demanda gera o suprimento. Os ouvintes convidam e moldam os seus próprios pregadores. Se as pessoas desejam um bezerro para adorar, o ministro que fabrica bezerros logo é encontrado.” [17] É preciso atenção redobrada para não cairmos nesta armadilha já que não é difícil confundir os efeitos de uma mensagem com o conteúdo do que anunciamos: a pregação deve ser avaliada pelo seu conteúdo; não pelos seus supostos resultados. Esse assunto está ligado à vertente relacionada ao crescimento de igreja. Iain Murray está correto ao afirmar: “O crescimento espiritual na graça de Cristo vem em primeiro lugar. Onde esse crescimento é menosprezado em troca da busca de resultados, pode haver sucesso, mas será de pouca duração e, no final, diminuirá a eficácia genuína da Igreja. A dependência de número de membros ou a preocupação com números freqüentemente tem se confirmado como uma armadilha para a igreja.” [18]
A confusão entre conteúdo e resultado é fácil de ser feita porque, como acentua MacArthur: “O pregador que traz a mensagem que mais necessitam ouvir é aquele que eles menos gostam de ouvir.” [19] Portanto, a popularidade pode em muitos casos, ser um atestado da infidelidade do pregador na transmissão da voz profética. Lembremo-nos: “Toda a tarefa do ministro fiel gira em torno da Palavra de Deus – guardá-la, estudá-la e proclamá-la.” [20] e: “Ninguém pode pregar com poder sobrenatural, se não pregar a Palavra de Deus.”[21] Quanto mais confiarmos no poder de Deus operante através da Palavra, menos estaremos dispostos a confiar em nossa suposta capacidade. A nossa oratória pode e certamente não é totalmente adequada; no entanto, a Palavra que pregamos, jamais será ineficaz no seu propósito. Neste sentido, escreveu Chapell: “Quando os pregadores percebem o poder que a Palavra possui, a confiança em seu chamado cresce, da mesma forma que o orgulho em seu desempenho murcha. Não precisamos temer nossa ineficácia quando falamos das verdades que Deus revestiu de poder para a realização dos seus propósitos. Ao mesmo tempo, trabalhar como se nossos talentos fossem os responsáveis pela transformação espiritual, torna-nos semelhantes a um mensageiro que reivindicava mérito por ter posto fim à guerra, por haver ele entregue a declaração escrita de paz. O mensageiro tem uma nobre tarefa a realizar, mas porá em risco sua missão e depreciará o verdadeiro vitorioso se atribuir a si, façanhas pessoais. Mérito, honra e glória com relação aos efeitos da pregação pertencem apenas a Cristo, pois somente a Palavra produz renovação espiritual.” [22]
Lembremo-nos de que o pregador não “compartilha” opiniões nem dá suas “opiniões” sobre o texto bíblico, nem faz uma paráfrase irreverente do texto, antes, ele prega a Palavra. O seu objetivo é expressar o que Deus disse através de seus servos. Pregar é explicar e aplicar a Palavra aos nossos ouvintes. O aval de Deus não é sobre nossas teorias e escolhas, muito menos sobre a “graça” de nossas piadas, mas sobre a Sua Palavra. Portanto, o pregador prega o texto, de onde provém a verdade de Deus para o Seu povo.
No final, quando Cristo retornar, certamente Ele não se interessará pela nossa escola homilética ou, se fomos “progressistas” ou “conservadores” mas sim, se fomos fiéis à Palavra em nossa vida e pregação.
Insistimos: devemos estar sinceramente atentos ao que o Espírito diz à Igreja através da Palavra, a fim de praticar os Seus ensinamentos. E isto é válido tanto para quem ouve como para quem prega...
Por outro lado, aquele que prega deve ter consciência de que o púlpito não é o lugar para se exercitar as opiniões pessoais e subjetivas mas sim, para pregar a Palavra, anunciando todo o desígnio de Deus, sob a iluminação do Espírito. Alexander R. Vinet (1797-1847) definiu bem a pregação, ao dizer ser ela “a explicação da Palavra de Deus, a exposição das verdades cristãs, e a aplicação dessas verdades ao nosso rebanho.” [23] Sem a Palavra, o púlpito torna-se um lugar que no máximo serve como terapia para aliviar as tensões de um auditório cansado e ansioso em busca de alívio para as suas necessidades mais imediatamente percebidas. Ele pode conseguir o alívio do sintoma, mas não a cura para as suas reais necessidades.
Uma outra verdade que precisa ser ressaltada, é que apesar de muitos de nós não sermos “grandes” pregadores [24] ou existirem pregadores infiéis, Deus fala: A Palavra de Deus é mais poderosa do que a nossa incompetência ou a infidelidade de outros. Por isso, há a responsabilidade de ambos os lados: Quem prega, pregue a Palavra; quem ouve, ouça com discernimento a Palavra do Espírito de Deus. Recentemente li Chapell dizendo: “Os esforços pessoais dos maiores pregadores são ainda demasiado fracos e manchados pelo pecado para serem responsáveis pelo destino eterno das pessoas. Por essa razão Deus infunde sua Palavra com poder espiritual. A eficácia da mensagem, mais que qualquer virtude do mensageiro, transforma corações.” [25] À frente: “A glória da pregação é que Deus realiza sua vontade por intermédio dela, mas somos sempre humilhados e ocasionalmente confortados com o conhecimento de que Ele age além das nossas limitações humanas.” [26] Ainda: “Pode ser que você jamais ouça elogios do mundo, ou seja pastor de uma igreja com milhares de membros, mas uma vida de piedade associada a uma clara explanação da graça salvadora e santificadora da Escritura garantem o poder do Espírito para a glória de Deus.” [27]
Devemos ter sempre em mente que a pregação foi o meio deliberadamente escolhido por Deus para transformar pessoas e edificar o Seu povo, preservando a sã doutrina através da Igreja que é o baluarte da verdade. [28]
Conclusão:
A pregação é uma tarefa de ínterim; ela ocorre num locus temporal: entre a realidade histórica do Cristo encarnado e a volta do Cristo glorificado e, é nesta condição que ela se realiza e se desenvolve. [29] A Igreja prega a Palavra cumprindo assim o seu ministério ordenado pelo próprio Deus; para tanto ela se prepara da melhor forma possível, usando de todos os recursos disponíveis que se harmonizem com os princípios bíblicos, recorrendo de modo indispensável ao auxílio do Espírito na concretização de sua missão.
NOTAS:
[1] - Vejam-se: Segunda Confissão Helvética, XXIII, § 5.220; Confissão de Westminster, 21.5; João Calvino, As Institutas, IV.1.5.
[2] - John Piper, O Lugar da Pregação na Adoração: In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP., Fiel, nº 11, 2001, p. 20. “O sermão tem um lugar central no culto reformado.” [Walter L. Liefeld, Exposição do Novo Testamento: do texto ao sermão, São Paulo, Vida Nova, 1985, p. 22].
[3] - Walter L. Liefeld, Exposição do Novo Testamento: do texto ao sermão, São Paulo, Vida Nova, 1985, p. 22.
[4] - Vd. J. Calvino, As Institutas, I.9.3.
[5] - Vd. D. Martyn Lloyd-Jones, Do Temor à Fé, Miami, Vida, 1985, p. 46-47.
[6] - João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.15), p. 97. Ver também: João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.15), p. 97-98; (Tt 1.9); p. 313; João Calvino, Efésios, São Paulo, Paracletos, 1998, (Ef 4.12), p. 124-125; As Institutas, IV.1.5; IV.3.11; David M. Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo, PES., 1994, p. 167.
[7] - João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.11), p. 316.
[8] - J. Calvino, As Pastorais, (Tt 1.11), p. 317. [voltar]
[9] - João Calvino, Gálatas, São Paulo, Paracletos, 1998, (Gl 5.9), p. 158-159. [voltar]
[10] - Calvin to Cranmer, Letter 18. In: John Calvin Collection, The AGES Digital Library, 1998. Do mesmo modo, Letters of John Calvin, Selected from the Bonnet Edition, Carlisle, Pennsylvania, The Banner of Truth Trust, 1980, p. 141-142. [voltar]
[11] - João Calvino, As Pastorais, (1Tm 6.3), p. 164. [voltar]
[12] - Cf. G. Archer Jr. Merece Confiança o Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1974, p. 358-359. [voltar]
[13] - Ver: J.A. Motyer, O Dia do Leão: A Mensagem de Amós, São Paulo, ABU Editora, 1984, p. 100-101. [voltar]
[14] - Sicômoros, “ou figueiras bravas, uma árvore donde se extraía um tipo de seiva, ao serem feitas incisões na época certa, quando então essa seiva formaria um tipo de bola endurecida que os pobres compravam como frutas.” (G. Archer Jr. Merece Confiança o Antigo Testamento, p. 358). [voltar]
[15] - J.A. Motyer, O Dia do Leão: A Mensagem de Amós, p. 100. [voltar]
[16] - Charles H. Spurgeon, Lições aos Meus Alunos, São Paulo, PES., 1982, Vol. 2, p. 64. [voltar]
[17] - Marvin R. Vincent, Word Studies in the New Testament, Peabody, MA., Hendrickson Publishers, [s.d.], Vol. 4, (2Tm 4.3), p. 321. [voltar]
[18] - Iain Murray, A Igreja: Crescimento e Sucesso: In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP., Fiel, nº 6, 2000, p. 27. [voltar]
[19] - John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho, São José dos Campos, SP., Fiel, 1997, p. 35. Packer, faz uma pergunta inquietante: “Costumamos lamentar, hoje em dia, que os ministros não sabem pregar; mas não é igualmente verdadeiro que nossas congregações não sabem ouvir.” (J.I. Packer, Entre os Gigantes de Deus: Uma visão puritana da vida cristã, São José dos Campos, SP., FIEL, 1996, p. 275). [voltar]
[20] - John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho, p. 29. [voltar]
[21] - John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho, p. 30. [voltar]
[22] - Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2002, p. 22. [voltar]
[23] - A.R. Vinet, Pastoral Theology: or, The Theory of the Evangelical Ministry, 2ª ed. New York, Ivison, Blakeman, Taylor & Co. 1874, p. 189. [voltar]
[24] - É-nos alentadora a observação de Spurgeon: “O pregador do evangelho pode não ser um bom pregador. Mas o Senhor fala aos pecadores mesmo por meio de pregadores incultos.” (C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo, Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 46). Do mesmo modo, Chapell: “Grandes dons não o tornam grande pregador. A excelência técnica da mensagem pode repousar nas suas habilidades, mas a eficácia espiritual da sua mensagem reside em Deus.” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 25).
[25] - Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 18. À frente continua: “Pregação que é fiel à Escritura converte, convence e amolda o espírito de homens e mulheres, pois ela apresenta o instrumento da compulsão divina, e não que pregadores tenham em si mesmos qualquer poder transformador.” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 19).
[26] - Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 25.
[27] - Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 33.
[28] - MacArthur acentua com veemência em lugares diferentes: “.... Não ousemos menosprezar o principal instrumento de evangelismo: a proclamação direta e cristocêntrica da genuína Palavra de Deus. Aqueles que trocam a Palavra por entretenimento ou artifícios descobrirão que não possuem um meio eficaz de alcançar as pessoas com a verdade de Cristo.” (John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho, p. 117-118). “Os que desejam colocar a dramatização, a música e outros meios mais sutis no lugar da pregação deveriam levar em conta o seguinte: Deus, intencionalmente, escolheu uma mensagem e uma metodologia que a sabedoria deste mundo considera como loucura. O termo grego traduzido por ‘loucura' [1Co 1.21] é mõria, de onde o idioma inglês tira a sua palavra moronic (imbecil). O instrumento que Deus utiliza para realizar a salvação é, literalmente, imbecil aos olhos da sabedoria humana. Mas é a única estratégia de Deus para proclamar a mensagem.” (Ibidem., p. 130).
[29] - Anthony A. Hoekema, observou que: “O período entre a primeira e a segunda vinda de Cristo é a era missionária por excelência. Este é o tempo da graça, um tempo em que Deus convida e insta com todos os homens para serem salvos.” (A.A. Hoekema, A Bíblia e o Futuro, São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1989, p. 187).
Dentro da visão Reformada, a Palavra de Deus ocupa o lugar central do Culto, visto que é através dela que Deus nos fala. [1] Deus se dignou em revelar a Si mesmo como Palavra e através da Palavra: “No princípio era o Verbo” (Jo 1.1). “No princípio, não era a música, nem o teatro. Deus identifica seu Filho, que é Deus, com a Palavra. Isso é tremendamente importante.” [2] “Um dos objetivos do sermão, sem dúvida, o mais elevado, deve ser a adoração de Deus e a exaltação do seu nome.” [3]
A pregação não deve ser rejeitada (1Ts 5.19-21); ela deve ser entendida como a Palavra de Deus para nós; recusá-la é o mesmo que rejeitar o Espírito (1Ts 4.8). [4] O mundo por sua vez, deseja ansiosamente ouvir, porém, não a Palavra de Deus (1Jo 4.5). Como há falsos pregadores e falsos mestres, é necessário “provar” o que está sendo proclamado para ver se o seu conteúdo se coaduna com a Palavra de Deus (At 17.11,12/1Jo 4.1-6). No entanto, neste período de grandes e graves transformações, torna-se evidente que os homens, de forma cada vez mais veemente, querem ouvir mais o reflexo de seus desejos e pensamentos, a homologação de suas práticas. Assim sendo, a palavra que deveria ser profética, tende com demasiada freqüência – mesmo assinando o seu obituário –, a se tornar apenas algo apetecível ao “público alvo”, aos seus valores e devaneios, ou, então, nós pregadores, somos tentados a usar de nossa “eloqüência” para compartilhar generalidades da semana, sempre, é claro, com uma alusão bíblica aqui ou ali, para justificar a nossa “pregação”; o fato é que uma geração incrédula, é sempre acintosamente crítica para com a palavra profética. [5]
1. Os Oráculos de Deus:
À Igreja foi confiada a Palavra de Deus, a qual ela deve preservar em seus ensinamentos e prática (Rm 3.2; 1Tm 3.15). Calvino entendia que “a verdade, porém, só é preservada no mundo através do ministério da Igreja. Daí, que peso de responsabilidade repousa sobre os pastores, a quem se tem confiado o encargo de um tesouro tão inestimável!”. [6] Portanto, “um bom pastor deve estar sempre alerta para que seu silêncio não propicie a invasão de doutrinas ímpias e danosas, e ainda propicie aos perversos uma irrefreada oportunidade de difundi-las.” [7] Daí, a fidelidade inarredável à Palavra que deve ter o ministro: “Quão arriscado é afastar-se, mesmo que seja um fio de cabelo da doutrina. (...) Em razão da fragilidade da carne, somos excessivamente inclinados a cair, e o resultado é que Satanás pela instrumentalidade de seus ministros, pronta e facilmente destrói o que os mestres piedosos constroem com grande e penoso labor.” [8] Em outro lugar, comentando Gálatas 5.9, insiste: “Essa cláusula os adverte de quão danosa é a corrupção da doutrina, para que cuidassem de não negligenciá-la (como é costumeiro) como se fosse algo de pouco ou nenhum risco. Satanás entra em ação com astúcia, e obviamente não destrói o evangelho em sua totalidade, senão que macula sua pureza com opiniões falsas e corruptas. Muitos não levam em conta a gravidade do mal, e por isso fazem uma resistência menos radical. (...) Devemos ser muito cautelosos, não permitindo que algo (estranho) seja adicionado à íntegra doutrina do Evangelho.” [9] Escrevendo a Cranmer (jul/1552?) diz: “A sã doutrina certamente jamais prevalecerá, até que as igrejas sejam melhor providas de pastores qualificados que possam desempenhar com seriedade o ofício de pastor.” [10] Por isso, “É quase impossível exagerar o volume de prejuízo causado pela pregação hipócrita, cujo único alvo é a ostentação e o espetáculo vazio.” [11]
2. O Profeta Amós e a Religiosidade Estereotipada:
Recordemos um pouco o caso do Amós. O profeta Amós localiza bem o período de sua mensagem, indicando o reinado de Uzias em Judá e Jeroboão II em Israel. Uzias começou a reinar no ano 27 de Jeroboão (2Rs 15.1). Jeroboão reinou 41 anos (2Rs 14.23). Amós viveu num período de grande riqueza e, ao mesmo tempo imoralidade. Jeroboão conseguira restaurar as fronteiras do Reino do Norte; havia riqueza e abundância no seu reino, resultantes dos despojos de guerra e de negócios vantajosos feitos com Damasco e com principados ao norte e ao nordeste. Contudo, juntamente com a prosperidade – da qual a classe baixa não participou em nada –, havia um materialismo dominante, caracterizando-se pela exploração dos pobres e imoralidade, tentando aplacar a ira de Deus com cerimoniais vazios. [12]
A mensagem de Deus através do profeta é destinada mais especificamente ao Reino Norte, com capital em Samaria, comumente chamado de Israel (Am 7.11/1.1). Ela foi proferida pelo menos dois anos antes da sua redação; agora, após o terremoto predito, ele relembra o que aconteceu e mostra o que ainda está por vir. (Am 1.1; 2.13; 7.10; 8.8/Zc 14.5). O seu Livro foi escrito por volta do ano 760-755 a.C. A sua mensagem é um lamento pela situação do povo (Am 5.1-2). A métrica utilizada em seu registro, própria dos cantos fúnebres, testemunha a tristeza do poeta diante da mensagem que leva ao povo. [13] Amós era um homem simples, do campo, cuidava de bois e colhia sicômoros [14] (Am 1.1/7.14). Vivia em Tecoa, que ficava a 10 km ao sul de Belém, sendo uma região de pastoreio, privilegiada por montanhas com uma altitude de 850 metros.
Deus está profundamente aborrecido com o seu povo eleito; por isso o disciplinaria (Am 3.1-2). Amós descreve de forma vívida a situação de Judá e, principalmente de Israel. O ponto capital da questão estava no fato de que eles rejeitaram a Lei de Deus e não guardaram os Seus Estatutos; portanto não agiam retamente; transformaram a mensagem de Deus em algo amargo, atirando-a ao chão (Am 5.7/6.12): “...rejeitaram a lei do Senhor, e não guardaram os seus estatutos, antes as suas próprias mentiras os enganaram, e após elas andaram seus pais” (Am 2.4). “...Israel não sabe fazer o que é reto, diz o Senhor, e entesoura nos seus castelos a violência e a devastação” (Am 3.10).
Como resultado da desobediência à Lei de Deus, todas as relações estão transtornadas, marcadas pelo domínio do pecado:
a) Vida Familiar: Imoralidade: Pai e filho coabitando com a mesma mulher (Am 2.7).
b) Vida Social, Política e Econômica:
b.1) Juizes corruptos: Am 2.6-7; 5.12.
b.2) Injustiça de todo tipo: Am 5.7; 6.12.
b.3) Opressão: Am 3.9; 4.1/8.4-6; 5.11-12.
b.4) Exploração dos pobres: Am 5.11-12; 8.4-6.
b.5) Insensibilidade para com o sofrimento alheio: Am 4.1; 6.6.
c) Vida Religiosa:
a) As ofertas eram apenas mecânicas; não alteravam em nada o seu comportamento; eles apenas gostavam do ritual: Am 4.4-5.
b) Aborreciam a instrução: Am 5.10.
Aqui, vem o ponto capital: Não queriam ouvir a Palavra de Deus; para tanto procuravam corromper os mensageiros de Deus (Am 2.11-12; 5.10/ 7.14-16.). A Mensagem profética era entendida como conspiração (Am 7.10). O trágico de tudo isso, é que a mensagem que eles não queriam ouvir era justamente a que poderia salvá-los, porque Deus lhes falava através do profeta; no entanto, eles não queriam que este profetizasse: “Certamente o Senhor Deus não fará cousa alguma, sem primeiro revelar o seu segredo aos seus servos, os profetas” (Am 3.7). “Aborreceis na porta ao que vos repreende, e abominais o que lhe fala sinceramente” (Am 5.10).
Amós, fiel ao seu chamado, testemunha contra a tentativa do povo em silenciá-lo: “Mas o Senhor me tirou de após o gado, e me disse: Vai e profetiza ao meu povo Israel. Ora, pois, ouve a palavra do Senhor: Tu dizes: Não profetizarás contra Israel, nem falarás contra a casa de Isaque” (Am 7.15-16)(Ver Am 2.12).
Enquanto o povo não ouvia o profeta, alimentava-se de mentiras: (Am 2.4). Deus aponta para a insensibilidade espiritual do povo em se converter a Ele: (Do mesmo modo Ageu 1.9-11):
a) Fome não adiantou: Am 4.6.
b) Seca não adiantou: Am 4.7-8.
c) Praga não adiantou: Am 4.9.
d) Peste não adiantou: Am 4.10.
e) Catástrofe não adiantou: Am 4.11.
Deus diz que puniria o seu povo (Am 3.2,14); o abandonaria (Am 6.8). Ele não era subornável mediante cultos mecânicos que não alteravam em nada o seu comportamento; o povo apenas gostava do ritual (Am 4.4-5 5.21-23; Mq 6.6-8; Os 6.6/1Sm 15.22; Os 8.13).
O ritualismo vazio pode ser ilustrado na vida de Israel. Os povos costumam ter seus lugares sagrados, marcos de grandes acontecimentos ou da existência de grandes personagens. Para lá se dirigem objetivando prestar seu culto ou mesmo buscar inspiração. O povo de Israel também tinha esta prática; o livro de Amós nos fala de três lugares (Am 5.1-6):
a) Betel: Jacó teve uma visão de Deus e conclui dizendo que Deus estava naquele lugar (Gn 28.16). Aqui, Jacó saiu com uma nova perspectiva de vida amparada na promessa de Deus (Gn 28.13-15). Mais tarde, Jacó foi a Betel lembrando-se de que Deus se revelara a ele anteriormente (Gn 35.7) e agora, teve uma nova experiência; Deus lhe falara (Gn 35.15), mudou seu nome; ele já não mais se chamaria Jacó mas Israel (Gn 35.10). – Betel significava a presença de Deus e o Seu poder renovador.
b) Gilgal: Josué erigiu um monumento com doze pedras após atravessar a pé enxuto o rio Jordão. Também ali, os homens que nasceram no deserto foram circuncidados e o povo participou da páscoa (Js 4 e 5) – “Gilgal era o santuário que proclamava a herança e a posse da terra prometida de acordo com a vontade de Deus.” [15]
c) Berseba: Abraão fez aliança com Abimeleque e invocou o nome do Senhor. Abimeleque disse a Abraão: “Deus é contigo em tudo o que fazes” (Gn 21.22) – A Bênção de Deus.
Deus não deseja que o povo procure mecanicamente os lugares de culto, por eles mesmos corrompidos (Am 5.5/4.4), mas que O busque, para que tenham vida (Am 5.6). Buscar a Deus é o oposto a meras peregrinações a lugares sagrados, a santuários como em Betel, Gilgal ou Berseba (Am 3.14; 4.4-5; 8.14); estes santuários juntamente com o povo estavam sob julgamento.
Por causa de seus pecados, Israel seria destruído (Am 3.11-12; 5.3; 6.16), sendo levado cativo (Am 4.2-3; 6.7; 7.11,17). Israel deve se preparar para se encontrar com o Senhor, e prestar contas a Ele (Am 4.12-13). No entanto, a mensagem de Deus permanecia até o último instante conclamando o povo a uma atitude de arrependimento e de busca de Deus. A única solução para Israel estava na proclamação de Amós: “Buscai ao Senhor e vivei” (Am 5.6).
É necessário que não permitamos que uma religiosidade estereotipada caracterize a nossa vida; Deus deseja não que cumpramos simplesmente rituais; Ele quer que O busquemos. Os ritos só têm valor quando realizados conforme a Palavra e com sinceridade. A nossa única chance real de salvação é buscar a Deus.
Como vimos, o povo não queria saber da mensagem profética. No século XIX, Spurgeon, comentando sobre a relevância do sermão na adoração, escreve: “Ouvir corretamente o evangelho é uma das partes mais nobres da adoração ao Altíssimo. É um exercício mental em que, quando corretamente praticado, todas as faculdades do homem espiritual são chamadas à realização de atos de devoção. Ouvir reverentemente a Palavra exercita a nossa humildade, instrui a nossa fé, engolfa-nos em raios de fulgente alegria, inflama-nos de amor, inspira-nos zelo, e nos eleva até o céu.” [16]
3. Fidelidade X Popularidade:
No Livro de Amós vemos exemplificado o desprezo à profecia e, ao mesmo tempo, a fidelidade do profeta. Parece-me, no entanto, correto o comentário de Vincent quando declara que “A demanda gera o suprimento. Os ouvintes convidam e moldam os seus próprios pregadores. Se as pessoas desejam um bezerro para adorar, o ministro que fabrica bezerros logo é encontrado.” [17] É preciso atenção redobrada para não cairmos nesta armadilha já que não é difícil confundir os efeitos de uma mensagem com o conteúdo do que anunciamos: a pregação deve ser avaliada pelo seu conteúdo; não pelos seus supostos resultados. Esse assunto está ligado à vertente relacionada ao crescimento de igreja. Iain Murray está correto ao afirmar: “O crescimento espiritual na graça de Cristo vem em primeiro lugar. Onde esse crescimento é menosprezado em troca da busca de resultados, pode haver sucesso, mas será de pouca duração e, no final, diminuirá a eficácia genuína da Igreja. A dependência de número de membros ou a preocupação com números freqüentemente tem se confirmado como uma armadilha para a igreja.” [18]
A confusão entre conteúdo e resultado é fácil de ser feita porque, como acentua MacArthur: “O pregador que traz a mensagem que mais necessitam ouvir é aquele que eles menos gostam de ouvir.” [19] Portanto, a popularidade pode em muitos casos, ser um atestado da infidelidade do pregador na transmissão da voz profética. Lembremo-nos: “Toda a tarefa do ministro fiel gira em torno da Palavra de Deus – guardá-la, estudá-la e proclamá-la.” [20] e: “Ninguém pode pregar com poder sobrenatural, se não pregar a Palavra de Deus.”[21] Quanto mais confiarmos no poder de Deus operante através da Palavra, menos estaremos dispostos a confiar em nossa suposta capacidade. A nossa oratória pode e certamente não é totalmente adequada; no entanto, a Palavra que pregamos, jamais será ineficaz no seu propósito. Neste sentido, escreveu Chapell: “Quando os pregadores percebem o poder que a Palavra possui, a confiança em seu chamado cresce, da mesma forma que o orgulho em seu desempenho murcha. Não precisamos temer nossa ineficácia quando falamos das verdades que Deus revestiu de poder para a realização dos seus propósitos. Ao mesmo tempo, trabalhar como se nossos talentos fossem os responsáveis pela transformação espiritual, torna-nos semelhantes a um mensageiro que reivindicava mérito por ter posto fim à guerra, por haver ele entregue a declaração escrita de paz. O mensageiro tem uma nobre tarefa a realizar, mas porá em risco sua missão e depreciará o verdadeiro vitorioso se atribuir a si, façanhas pessoais. Mérito, honra e glória com relação aos efeitos da pregação pertencem apenas a Cristo, pois somente a Palavra produz renovação espiritual.” [22]
Lembremo-nos de que o pregador não “compartilha” opiniões nem dá suas “opiniões” sobre o texto bíblico, nem faz uma paráfrase irreverente do texto, antes, ele prega a Palavra. O seu objetivo é expressar o que Deus disse através de seus servos. Pregar é explicar e aplicar a Palavra aos nossos ouvintes. O aval de Deus não é sobre nossas teorias e escolhas, muito menos sobre a “graça” de nossas piadas, mas sobre a Sua Palavra. Portanto, o pregador prega o texto, de onde provém a verdade de Deus para o Seu povo.
No final, quando Cristo retornar, certamente Ele não se interessará pela nossa escola homilética ou, se fomos “progressistas” ou “conservadores” mas sim, se fomos fiéis à Palavra em nossa vida e pregação.
Insistimos: devemos estar sinceramente atentos ao que o Espírito diz à Igreja através da Palavra, a fim de praticar os Seus ensinamentos. E isto é válido tanto para quem ouve como para quem prega...
Por outro lado, aquele que prega deve ter consciência de que o púlpito não é o lugar para se exercitar as opiniões pessoais e subjetivas mas sim, para pregar a Palavra, anunciando todo o desígnio de Deus, sob a iluminação do Espírito. Alexander R. Vinet (1797-1847) definiu bem a pregação, ao dizer ser ela “a explicação da Palavra de Deus, a exposição das verdades cristãs, e a aplicação dessas verdades ao nosso rebanho.” [23] Sem a Palavra, o púlpito torna-se um lugar que no máximo serve como terapia para aliviar as tensões de um auditório cansado e ansioso em busca de alívio para as suas necessidades mais imediatamente percebidas. Ele pode conseguir o alívio do sintoma, mas não a cura para as suas reais necessidades.
Uma outra verdade que precisa ser ressaltada, é que apesar de muitos de nós não sermos “grandes” pregadores [24] ou existirem pregadores infiéis, Deus fala: A Palavra de Deus é mais poderosa do que a nossa incompetência ou a infidelidade de outros. Por isso, há a responsabilidade de ambos os lados: Quem prega, pregue a Palavra; quem ouve, ouça com discernimento a Palavra do Espírito de Deus. Recentemente li Chapell dizendo: “Os esforços pessoais dos maiores pregadores são ainda demasiado fracos e manchados pelo pecado para serem responsáveis pelo destino eterno das pessoas. Por essa razão Deus infunde sua Palavra com poder espiritual. A eficácia da mensagem, mais que qualquer virtude do mensageiro, transforma corações.” [25] À frente: “A glória da pregação é que Deus realiza sua vontade por intermédio dela, mas somos sempre humilhados e ocasionalmente confortados com o conhecimento de que Ele age além das nossas limitações humanas.” [26] Ainda: “Pode ser que você jamais ouça elogios do mundo, ou seja pastor de uma igreja com milhares de membros, mas uma vida de piedade associada a uma clara explanação da graça salvadora e santificadora da Escritura garantem o poder do Espírito para a glória de Deus.” [27]
Devemos ter sempre em mente que a pregação foi o meio deliberadamente escolhido por Deus para transformar pessoas e edificar o Seu povo, preservando a sã doutrina através da Igreja que é o baluarte da verdade. [28]
Conclusão:
A pregação é uma tarefa de ínterim; ela ocorre num locus temporal: entre a realidade histórica do Cristo encarnado e a volta do Cristo glorificado e, é nesta condição que ela se realiza e se desenvolve. [29] A Igreja prega a Palavra cumprindo assim o seu ministério ordenado pelo próprio Deus; para tanto ela se prepara da melhor forma possível, usando de todos os recursos disponíveis que se harmonizem com os princípios bíblicos, recorrendo de modo indispensável ao auxílio do Espírito na concretização de sua missão.
NOTAS:
[1] - Vejam-se: Segunda Confissão Helvética, XXIII, § 5.220; Confissão de Westminster, 21.5; João Calvino, As Institutas, IV.1.5.
[2] - John Piper, O Lugar da Pregação na Adoração: In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP., Fiel, nº 11, 2001, p. 20. “O sermão tem um lugar central no culto reformado.” [Walter L. Liefeld, Exposição do Novo Testamento: do texto ao sermão, São Paulo, Vida Nova, 1985, p. 22].
[3] - Walter L. Liefeld, Exposição do Novo Testamento: do texto ao sermão, São Paulo, Vida Nova, 1985, p. 22.
[4] - Vd. J. Calvino, As Institutas, I.9.3.
[5] - Vd. D. Martyn Lloyd-Jones, Do Temor à Fé, Miami, Vida, 1985, p. 46-47.
[6] - João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.15), p. 97. Ver também: João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.15), p. 97-98; (Tt 1.9); p. 313; João Calvino, Efésios, São Paulo, Paracletos, 1998, (Ef 4.12), p. 124-125; As Institutas, IV.1.5; IV.3.11; David M. Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo, PES., 1994, p. 167.
[7] - João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.11), p. 316.
[8] - J. Calvino, As Pastorais, (Tt 1.11), p. 317. [voltar]
[9] - João Calvino, Gálatas, São Paulo, Paracletos, 1998, (Gl 5.9), p. 158-159. [voltar]
[10] - Calvin to Cranmer, Letter 18. In: John Calvin Collection, The AGES Digital Library, 1998. Do mesmo modo, Letters of John Calvin, Selected from the Bonnet Edition, Carlisle, Pennsylvania, The Banner of Truth Trust, 1980, p. 141-142. [voltar]
[11] - João Calvino, As Pastorais, (1Tm 6.3), p. 164. [voltar]
[12] - Cf. G. Archer Jr. Merece Confiança o Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1974, p. 358-359. [voltar]
[13] - Ver: J.A. Motyer, O Dia do Leão: A Mensagem de Amós, São Paulo, ABU Editora, 1984, p. 100-101. [voltar]
[14] - Sicômoros, “ou figueiras bravas, uma árvore donde se extraía um tipo de seiva, ao serem feitas incisões na época certa, quando então essa seiva formaria um tipo de bola endurecida que os pobres compravam como frutas.” (G. Archer Jr. Merece Confiança o Antigo Testamento, p. 358). [voltar]
[15] - J.A. Motyer, O Dia do Leão: A Mensagem de Amós, p. 100. [voltar]
[16] - Charles H. Spurgeon, Lições aos Meus Alunos, São Paulo, PES., 1982, Vol. 2, p. 64. [voltar]
[17] - Marvin R. Vincent, Word Studies in the New Testament, Peabody, MA., Hendrickson Publishers, [s.d.], Vol. 4, (2Tm 4.3), p. 321. [voltar]
[18] - Iain Murray, A Igreja: Crescimento e Sucesso: In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP., Fiel, nº 6, 2000, p. 27. [voltar]
[19] - John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho, São José dos Campos, SP., Fiel, 1997, p. 35. Packer, faz uma pergunta inquietante: “Costumamos lamentar, hoje em dia, que os ministros não sabem pregar; mas não é igualmente verdadeiro que nossas congregações não sabem ouvir.” (J.I. Packer, Entre os Gigantes de Deus: Uma visão puritana da vida cristã, São José dos Campos, SP., FIEL, 1996, p. 275). [voltar]
[20] - John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho, p. 29. [voltar]
[21] - John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho, p. 30. [voltar]
[22] - Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2002, p. 22. [voltar]
[23] - A.R. Vinet, Pastoral Theology: or, The Theory of the Evangelical Ministry, 2ª ed. New York, Ivison, Blakeman, Taylor & Co. 1874, p. 189. [voltar]
[24] - É-nos alentadora a observação de Spurgeon: “O pregador do evangelho pode não ser um bom pregador. Mas o Senhor fala aos pecadores mesmo por meio de pregadores incultos.” (C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo, Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 46). Do mesmo modo, Chapell: “Grandes dons não o tornam grande pregador. A excelência técnica da mensagem pode repousar nas suas habilidades, mas a eficácia espiritual da sua mensagem reside em Deus.” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 25).
[25] - Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 18. À frente continua: “Pregação que é fiel à Escritura converte, convence e amolda o espírito de homens e mulheres, pois ela apresenta o instrumento da compulsão divina, e não que pregadores tenham em si mesmos qualquer poder transformador.” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 19).
[26] - Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 25.
[27] - Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 33.
[28] - MacArthur acentua com veemência em lugares diferentes: “.... Não ousemos menosprezar o principal instrumento de evangelismo: a proclamação direta e cristocêntrica da genuína Palavra de Deus. Aqueles que trocam a Palavra por entretenimento ou artifícios descobrirão que não possuem um meio eficaz de alcançar as pessoas com a verdade de Cristo.” (John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho, p. 117-118). “Os que desejam colocar a dramatização, a música e outros meios mais sutis no lugar da pregação deveriam levar em conta o seguinte: Deus, intencionalmente, escolheu uma mensagem e uma metodologia que a sabedoria deste mundo considera como loucura. O termo grego traduzido por ‘loucura' [1Co 1.21] é mõria, de onde o idioma inglês tira a sua palavra moronic (imbecil). O instrumento que Deus utiliza para realizar a salvação é, literalmente, imbecil aos olhos da sabedoria humana. Mas é a única estratégia de Deus para proclamar a mensagem.” (Ibidem., p. 130).
[29] - Anthony A. Hoekema, observou que: “O período entre a primeira e a segunda vinda de Cristo é a era missionária por excelência. Este é o tempo da graça, um tempo em que Deus convida e insta com todos os homens para serem salvos.” (A.A. Hoekema, A Bíblia e o Futuro, São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1989, p. 187).
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FONTE: http://www.monergismo.com/
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